A discussão é sempre essencial. Mesmo quando se torna amarga ou triste - e diria, até, mesmo quando nos soa como uma conversa de surdos: em última análise, parecendo que cada uma das pessoas não se ouviu senão a si mesma, é bem possível que as palavras do outro tenham penetrado por uma porta subterrânea e permaneçam em nós, fazendo o seu lento e secreto trabalho, mudando ideias que estavam aparentemente consolidadas, mudando-nos.
Não imaginam as vezes que, no Clube de Cinema - ou nos projectos associados ao clube, como por exemplo este blogue -, as discussões me levaram a repensar o que tinha por assente. E, muitas vezes, a alterar o ponto de vista. Ainda bem.
Assim, de caras, recordo alguns exemplos: 1) quando referi Yul Brynner ou Leonardo DiCaprio como exemplos acabados de actores-canastrões, e me fizeram lembrar que, em
The king and I, o primeiro tinha sido extraordinário e, em
Revolutionary Road, o segundo representava, com invulgar brilho, um jovem marido-e-pai de uma família suburbana com demasiadas aspirações e expectativas da vida; 2) ou quando JC nos convidou a ver o
2001: Odisseia no espaço, obrigando-me (atacado de todos os lados simultaneamente), a tentar
compreender e
explicar por que razão gostara tanto daquele filme!
Continuo a gostar muito de 2001, talvez goste agora ainda mais, mas certamente não me foi indiferente que a maioria do clube me tenha forçado a este exercício de perceber e fundamentar, perante mim próprio e perante os outros, tal gosto, digamos para simplificar, "elitista" e difícil.
Com
Apocalypse Now, aconteceu uma experiência similar.
Trata-se de um filme que me interessou muito em 1979 ou 80. Mas, para mim, não ultrapassou, então, uma história de guerra, como outras, embora com grande força.
Apresentado, agora, no anfiteatro, por Ana Páscoa; revisto com uma outra maturidade e uma outra atenção; discutido, a seguir, com os presentes,
Apocalypse Now foi um filme completamente novo que, de certa forma, eu nunca vira. Compreender, por exemplo, quem é Kurtz, o que o move a partir do mais fundo da sua personalidade estilhaçada, que nunca nos é inteiramente oferecida, ficando sempre dependente das interpretações que queiram

os fazer ou das lógicas que lhe queiramos impor - logo a ele, cuja lógica própria tem tão pouco que ver com as "lógicas" que nós frequentamos -, ou por que razão aquela violência em estado quimicamente puro nos hipnotiza, ou que fantasmas e medos nossos acordamos em face deste filme, levam-me a sentir que, no cinema, para mim, nada está ou estará concluído ou esgotado. Nem sequer os filmes que já vi, e julgava ter definitivamente catalogado. Tudo se

metamorfoseia e refaz. Tudo é outra coisa, porque me apontam um pormenor que me escapara, porque me propõem uma interpretação que eu não fizera, porque me levantam dúvidas, porque me levantam ligações, porque me levantam discordâncias.
O Clube tem-me, literalmente, educado para o cinema.