terça-feira, 30 de junho de 2009

Como um bom filme dá origem a um monte de porcarias OU o problema das sequelas no cinema e, afinal, na arte em geral

HALLOWEEN

A obra-prima de John Carpenter, que estuda a origem do mal numa criança (que escolhe as vítimas com base no seu carácter sexual) - como não se tinha feito até então no cinema - conta com a presença de Donald Pleasence, Jamie Lee Curtis e Nick Castle. O filme teve um orçamento de 320 mil dollars e rendeu algo como 55 milhões! Foi o maior sucesso de Carpenter e foi um dos filmes que mais contribuiu para a sua afirmação como realizador de culto. Ficaram muito conhecidas as cenas subjectivas (do ponto de vista do assassino), que são de facto espectaculares. A música é do próprio Carpenter (muito boa) e a produção é da sua amiga Debra Hill.
Depois do sucesso do filme, foram realizadas mais 7 sequelas! Felizmente, não vi senão alguns pedaços desses filmes quando passavam na televisão, porque são no mínimo péssimos. Isso leva-nos à grande questão das sequelas e como, normalmente, uma sequela a um grande filme fica sempre aquém das expectativas. Gostava que os membros do clube de cinema me dessem exemplos de filmes em que tal não aconteça (caso se lembrem de algum). O único que me recordo, e não é lá grande exemplo, é o já mencionado Meet The Fockers (Uns Compadres do Pior) que é melhor do que o Meet The Parents (Um Sogro do Pior).

Halloween Trailer

John Ford - The One Hundred Films Guy

John Ford foi talvez o mais prolífico realizador da história do cinema, equiparável apenas por Raoul Walsh. Dirigiu cento e quarenta filmes, pelo que me seria virtualmente impossível falar da sua obra pormenorizadamente. Detenho-me, for the time being, num dos seus mais conhecidos filmes: The Searchers (1956), que eu considero um dos dez melhores Westerns de sempre. Com o já habitual John Wayne, conta ainda com Ward Bond, Jeffrey Hunter e Natalie Wood.


O filme conta a história de uma família que é massacrada pelos índios, sobrevivendo apenas a filha mais nova (Natalie Wood), que é capturada. O tio da rapariga (John Wayne) regressa da guerra civil que devastou o país e decide-se a resgatá-la, com a ajuda do seu sobrinho adoptivo (Jeffrey Hunter). Juntos, percorrem os EUA e o Canada durante anos, até finalmente a encontrarem. Mas ela é agora mais índia do que branca e o John Wayne tenta matá-la. É extremamente interessante esta parte, pois como é sabido não havia ninguém mais racista que ele (na vida real e nos próprios papéis que interpretava). Mas o seu sobrinho adoptivo impede-o de o fazer e, no final, ele acaba por reconhecer a sobrinha e leva-a para casa (não antes de uma épica batalha contra os índios!). Este filme faz já parte de uma tentativa do John Wayne de se reconciliar com os seus críticos, que o acusavam precisamente de ser demasiado racista (porque os americanos sempre permitiram um bocadinho de racismo).


segunda-feira, 29 de junho de 2009

Coen (agora sim)

Não posso sequer comparar o meu conhecimento a nenhum outro membro do Clube, o meu interesse pelo cinema é antigo mas nunca foi tão intelectual como o que encontrei este ano. De qualquer forma não deixarei de escrever só por saber que vou a um quarto da caminhada que tenho que fazer para saber os nomes de tudo o que é cinema e fazer boas críticas. O que interessa é partilhar, certo? Por isso vou partilhar algo que descobri nesta minha "caminhada" e que se revela com uma só frase: Acho que gosto dos filmes dos irmãos Coen. É só isto! Passar bem, muito boa noite!

Pronto não é só, mas não é muito mais. Sinceramente, ainda só vi dois filmes e digam-me que isso não me serve para eu saber se gosto mesmo dos filmes deles ou não, porque eu também não faço a minima ideia, sei é que destes gostei. Fargo e Burn After Reading, um de 96 o outro de 08.

A comicidade e o caos existentes nas histórias são fascinantes quando combinados. As personagens que tanto nos são comuns como completamente abomináveis e fora do normal, são indescritivelmente bem construídas. A imagem, os pormenores, os actores. Em Fargo os papeis de Frances McDormand, como a polícia grávida que protagoniza aquele diálogo incrivel no carro de patrulha com o assassino, e outros interpretando personagens igualmente geniais como William H. Macy, o "magnifico" cérebro da operação, e Steve Buscemi com aquela atitude esquisita muito própria já do actor, na minha opinião. No Burn After Reading encontramos também a actriz Frances, agora num papel muito diferente mas igualmente engraçado, e Brad Pitt que me vai impressionando, talvez por ter alguns preconceitos em relação a ele.

Só sei que ao ver estes dois filmes senti uma vontade enorme de ver mais alguns dos tais "hermanos" e claro de partilhar a minha opinião sobre os mesmos aqui no blog, no qual já não participava há uns tempos e para onde tinha prometido voltar após dia 23. Assim foi!


Queria deixar a tal cena do diálogo entre a policia e o criminoso do Fargo, mas não consigo encontrá-lo.
Fica um outro:


sexta-feira, 26 de junho de 2009

Ghibli

Sou um grande fã de filmes de animação, especialmente se for animação tradicional. Entre os meus filmes preferidos contam os já habituais e conhecidíssimos títulos da Disney, muitos dos quais já foram mencionados de uma forma geral num post anterior dedicado a este estúdio intemporal. Assim sendo vou com este post abordar alguns dos filmes produzidos por outro estúdio que tem vindo nos últimos tempos a tornar-se bastante popular: a Ghibli. Fundado em 1986, está invariavelmente associado aos seus co-fundadores Hayao Miyazaki e Isao Takahata. Talvez vos seja familiar alguns títulos como Heidi, ou Conan o rapaz do futuro (figura da esquerda). Sim, são duas séries televisivas da autoria destes dois senhores, produzidas para a televisão Japonesa, isto alguns anos antes da Ghibli existir. No entanto, quer uma quer a outra série revelavam já as nuances e temas que se tornariam imagem de marca de cada um destes realizadores. Já na década de oitenta deu-se o salto da televisão para o cinema, quando Miyazaki decidiu adaptar para o grande ecrã o manga da sua autoria, Nausicaã of the valley of Wind (figura à direita).

O sucesso comercial estimulou Myiazaki a convidar o seu antigo colega de armas _ e co-produtor de Nausicaã_ a fundar um estúdio dedicado a produzir filmes sem as limitações convencionais impostas pelos estúdios Japoneses da altura: assim nascia a Ghibli. Desde então a Ghibli tem quebrado as fronteiras do cinema Japonês, em estilo e em forma, chegando mesmo aos mercados Europeu e Norte-americano graças a uma campanha de propaganda resultante, entre outras coisas, de uma feliz associação com a Disney para a distribuição internacional. Embora o desenrolar dos acontecimentos tenha sido mais favorável a Miyazaki que a Takahata, entre eles realizaram alguns filmes inesquecíveis:

_ o realismo e a crueldade das imagens de um Japão em tempo de guerra em “O tumulo dos pirilampos”; a metáfora épica do homem-versus-natureza em “Princesa Mononoke”; o crescimento e a maturidade de uma criança em registo de fantasia e fábula em “A viagem de Chyhiro”. È com algumas imagens destes títulos (pela respectiva ordem mencionada) que vos deixo.




domingo, 21 de junho de 2009

O HUMOR JUDAICO NO CINEMA NORTE-AMERICANO

A cultura judaica tem uma matriz: o Livro Sagrado e a interpretação ortodoxa que veio sendo feita pelos rabinos ao longo dos séculos; mas, a partir desta base única, essa cultura foi-se diversificando através da História dos judeus que, como tão bem sabemos, foi uma História de perseguição e expulsão (uma vez que os perseguiram incessante e cruelmente, quando ainda se não previa que, a partir de Israel, viessem a tornar-se, também eles, os perseguidores de outros...), uma História de adaptação a meios e culturas diversos e adversos ou de incorporação, em si, das mais díspares referências culturais.
Zelig (faça o favor de clicar sobre o nome), de Woody Allen, é a personificação desta vocação ou necessidade do judeu para se transformar - até fisicamente - no que for preciso para, como um camaleão, se ajustar ao novo habitat.

Mas se, nessa longa e sofrida História, a cultura judaica se foi tornando um verdadeiro mosaico onde encontramos, em todas as áreas, o que de melhor a humanidade produziu (de Espinoza a Kafka e a Proust, de Mendelssohn a Einstein, de Marx propriamente dito aos irmãos Marx, de Freud a Will Eisner ou a Phillip Roth, e podem crer que a lista foi um brutal encurtamento entre meia dúzia das minhas predilecções...), também é verdade que conseguimos detectar um modo muito específico e singular desta cultura nos Estados Unidos da América (e nem sequer me vou deter na singularidade dentro dessa singularidade que seria o judeu nova-iorquino...).

A cultura judaica norte-americana produziu, nos comics e no cinema, um tipo de humor perfeitamente genial, feito da constante auto-ridicularização (com personagens que se expõem nas suas fraquezas, assumindo-as como motivo e motor do cómico), em que a relação do jovem adulto com a mãe é sempre uma relação por resolver, em que a hipocondria e as obsessões preenchem toda uma filosofia de vida, em que a incapacidade para se lidar com os outros se torna numa questão metafísica, em que o amor está carregado de culpa, em que a maior das defesas para as almas atormentadas e desintegradas é o treino na ironia, na auto-ironia e na mordacidade.

Nem sempre esse humor é compreendido. Conheço cada vez mais pessoas que não podem com Woody Allen. Ou, num registo mais televisivo, com Jerry Seinfield. Pessoas a quem tudo isto lhes soa muito poluído e degradado, decadente, pessimista e destrutivo (que eram, by the way, os motivos pelos quais o nazismo afirmava não tolerar a cultura judaica, esse, como diziam, «cancro da arte», esse alimento da «arte degenerada»). Nos comics, por exemplo, os argumentos e os desenhos de Robert Crumb são anti-heróicos e anti-gloriosos, apagam o luminoso para lhe preferirem uma espécie de culto do disforme e do grotesco; ou, numa visão mais política, também soa ruidoso e pouco limpo o trabalho de Art Spiegelman com o soberbo Maus (clicamos?), que é a saga de seu pai, sobrevivente dos campos de concentração nazis, numa história em que todos os judeus são desenhados como ratos e os seus opressores como gatos...

Falo de tudo isto porque venho de ver American Splendor (ora clique, clique, amigo leitor): reparem, para já, na eficaz ironia do nome em que, como no caso de O Esplendor de Portugal (clicando sempre...), de Lobo Antunes, o que se descreve pouco ou nada tem de esplendoroso. American Splendor é um filme feito a partir de uma banda desenhada que foi extremamente popular nos anos sessenta. A própria personagem principal é - já era no comic, sempre o foi... - um narrador que se revela a antítese de um herói. O que ele mostra é, bem pelo contrário, a comicidade triste da sua absoluta vulgaridade. Que histórias se podem fazer a partir de nada, do tempo gasto num emprego medíocre e entediante, ou entre amigos que não são especialmente amigos, na sequência de um segundo casamento falhado ou de dramas quotidianos tão insípidos como o de decidir qual a fila que se deve escolher para pagar no supermercado...?

Há, em tudo isto, como em quase tudo o que é típico deste humor de judeus norte-americanos, um riso que se não expande muito. E de que, bem feitas as contas, sobra sempre alguma amargura...


Imagens: 1 - Woody Allen; 2 - Bento de Espinosa; 3 - Sigmund Freud; 4 - Phillip Roth; 5 - Robert Crumb; 6 - uma prancha de American Splendor; 7 - American Splendor, the movie

Obra Prima.

Será que podemos classificar um filme como uma obra de arte? Independentemente dos nossos gostos pessoais, dos meios e individuos envolvidos, a verdade é que o próprio nome com o qual muitos criticos de cinema se referem ao meio cinemático _ a sétima arte_ diz tudo! É uma forma de ver o cinema que eu de facto partilho, isto é, existe uma propensão ou disponibilidade artistica associada ao cinema, que poderá (ou não!) ter estado presente na mente dos irmãos Lumiére quando inventaram o género.
De todas as formas considero que assistir a um filme é sem duvida um acréscimo cultural. Ao ver um filme estaremos a nutrir o nosso lado artistico, tanto como quando vamos a uma galeria ver uma exposição, ou quando lemos um livro. Mas sendo assim quais as regras que permitem identificar aquilo que é arte e o que não o é? Será que dentro desta definição devemos abraçar apenas o que consideramos esteticamente belo e descartar tudo o resto? Não esqueceçamos que o cinema também possibilita um certo escapismo que é agradavel e o qual não será artisticamente tão exigente. Com esta introdução proponho relatar-vos a minha experiência de auto-descoberta sábado à tarde. Estimulado pelo facto de ter a tarde só por minha conta decidi ver um filme, mas como muitas vezes acontece, a decisão "morre" na linha de partida e encontrei-me indeciso sobre qual o filme que iria ver. Muitas foram as hipoteses consideradas, mas de uma forma geral procurei algo onde se destaca-se uma interpretação, um realizador, ou mesmo aspectos técnicos que eu considerasse como uma quebra com o convencional _ para todos os efeitos uma OBRA DE ARTE_ , quando fui subitamente interrompido por gargalhadas na sala ao lado. Era a minha familia, que juntos viam uma cena caricata do filme Um sogro do pior. Acabei mesmo por ver o resto do filme com eles. Sem duvida uma reviravolta em termos de escolha, tanto porque não considero este filme uma obra prima, mas também porque já me referi a ele de uma forma desagradavel como o inicio do fim da carreira do meu actor preferido, Robert DeNiro. Porque gosto de perceber os meus proprios gostos, practico com frequência um exercicio de analise às minhas decisões e aquilo que me define, e como tal tentei justificar, a mim mesmo, a minha esclha estabelecendo uma analogia que vos deverá parecer algo bizarra, entre ver um filme e comer uma refeição: todos nós temos no nosso conjunto de preferências aquele (ou aqueles ) pratos que consideramos iguarias, seja o peru de natal, o borrego assado da Páscoa, um insólito prato de caviar, etc. Mas imaginem comer sempre este tipo de refeição a toda a hora ou todos os dias. No fim estaremos a salivar (literalmente) por um convencional bife com batatas, ou um vulgar prato de feijão com arroz. Se eu quiser disfrutar de um filme, a minha escolha vai sempre para um conjunto de filmes que eu considero obras de excelência, como um Kubrick, um Kurosawa ou um Hitchcock, para referir apenas alguns. Mas chega a uma altura que é necessário variar um pouco, recarregar baterias, para que a fome não de em fartura, e nessa altura lá marcha um Código DaVinci, um Mumia 3, ou mesmo Um sogro do pior. Não é que isto seja uma escolha ou práctica consciente, mas sim um hábito que acabo sempre por minimizar numa tentativa de justificar uma pretensa incapacidade de cultivar a mente com um filme de qualidade. Mas a verdade é que no fim do filme, aquelas horas nunca são dadas por perdidas, e reina sempre um sentimento de satisfação, porque ao fim e ao cabo, como eu referi no inicio, o cinema também existe para poporcionar um certo escapismo e diversão despretenciosa (no melhor sentiodo da palavra).
PS: Gostava de ter colocado umas imagens, mas mais uma vez sou vitima das minhas próprias limitações, pois tentei colar algumas só que não fui capaz!

quinta-feira, 18 de junho de 2009

O que é um bom actor?

Ao longo de toda a minha (ainda - espero eu) breve existência, tenho-me interrogado com o seguinte - o que é um bom actor? Porque nos deparamos com imensos tipos de actores.

Por exemplo. O Paul Newman era um actor que conseguia ser tão irritante como o Jack Nicholson. No entanto, tem uma das melhores interpretações da história do cinema no filme Hud (Martin Ritt).

Paul Newman - Hud (Martin Ritt)



A Bette Davis, péssima, cabotina, enfim, terrível, quando dirigida pelo William Wyler era absolutamente assombrosa. É algo difícil de explicar por meras palavras, era preciso ver os filmes para testemunhar a metamorfose que ocorre nestes actores.

Jezebel (William Wyler) - Óptima Interpetação de Bette Davis




Whatever Happened to Baby Jane? - Péssima Interpretação de Bette Davis (vejam a fantástica Joan Crawford)



Ou será que um bom actor é um actor que represente bem em todos os seus filmes, sem excepção?

Outro tipo de actores são os actores do método. Será que podemos considerar realmente que alguns desses (hoje super-consagrados) actores representavam? Será espetar uma agulha no braço quando tem de se fingir dor, representar? Será correr horas a fio quando se tem de interpretar um papel de um corredor da maratona, representar? Isso não será simplesmente fazer batota? Eu até gosto de alguns actores do método, como o Marlon Brando e o Harvey Keitel, mas outros, como o Robert de Niro e o Al Pacino, sinceramente... deixam muito a desejar. Parece-me que o método pode ser útil em alguns casos, pode ajudar a concentração do actor e a sua inspiração, mas quando um actor se apega de tal forma a esse estilo que a sua representação perde qualquer espontaneidade, tornando-se planeada ao milímetro e se confunde com a de outro actor do método, então parece-me que deixa de funcionar.

Marlon Brando - A Streetcar Named Desire (Elia Kazan)



Harvey Keitel - Clockers (Spike Lee)



E aqueles actores que eram apenas eles próprios em todos os seus papéis? Refiro-me a Gary Cooper, por exemplo, que é até um dos meus actores favoritos, mas que, quer interpretasse o papel de um jogador de baseball ou de um sargento ou de um cowboy, era sempre o mesmo, transportando as suas características enquanto pessoa para a representação. Encontramos hoje em dia o oposto com um actor - Philip Seymour Hoffman, que vive (apenas?) da caracterização, da transformação nas personagens que interpreta. Como já disse, o Gary Cooper é um dos mesu favoritos, mas será que lhe posso chamar com 100% de certeza um actor??? E o Philip Seymour Hoffman???

Gary Cooper - High Noon Trailer (Fred Zinnemann)



Gary Cooper - Sergeant York (Howard Hawks)



Philip Seymour Hoffman - Capote



Para mim, é-me difícil responder a estas perguntas. Se me perguntarem se eu gosto do Paul Newman, a única resposta possível é: depende dos filmes. O que, de maneira nenhuma, me satisfaz. Talvez seja também uma questão de treino. Se o Jack Nicholson tivesse sido "atrelado" mais vezes, como o foi pelo Antonioni, talvez fosse melhor actor. O mesmo com a Bette Davis.

Jack Nicholson - o começo de uma má carreira - The Little Shop of Horrors (Roger Corman) - (versão colorizada - terrível...)



O que é certo é o seguinte: o trabalho de um actor depende sempre do trabalho do realizador.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

O VIAJANTE ANTONIONI

Na altura, Lourenço Marques, onde eu vivia, já se chamava Maputo.
Éramos então jovens estudantes liceais marxistas. Alfabetizávamos, trabalhávamos no campo, planeávamos em grupo todos os nossos actos.
Nesse ambiente, não havia tempo para cultivar gostos pessoais. Ir ao cinema, por exemplo, seria considerado pouco mais do que uma frivolidade burguesa.

Mas eu ia ao cinema.
Sempre que arrancava um tempo, escapulia-me para o cine-«Dicca», ou então para o Estúdio 222, uma sala com duzentos e vinte e dois lugares praticamente desocupados.

Foi entre essas duas salas que aprendi a ver um cinema europeu que escapava aos meus hábitos: Godard (Pierrot le Fou) ou Fellini (I Clowns).

Uma vez, decidi fazer-me acompanhar por um amigo: um dos jovens estudantes liceais marxistas com quem me identificava...

E tropeçámos num filme de Antonioni. Era The Passenger (mas, pesquisando, encontro-o associado a um outro nome português, Profissão: Repórter).

Lembro-me da cor extraordinária, o azul luminoso do céu e o castanho forte de um deserto sempre presente, o lugar onde Jack Nicholson representa genialmente a personagem de um jornalista que acaba perdendo a sua identidade numa angustiante pesquisa por um homem desaparecido (espécie de Orson Welles de O Terceiro Homem...)

Comentava o Eça que Jack Nicholson sempre fora um super-cabotino; pois talvez se saia tão airosamente neste filme precisamente porque Michelangelo Antonioni, não cedendo nem um milímetro no seu conceito, na sua visão, o tivesse colocado no lugar justo, não o deixando esticar-se demasiado: tratava-se de procurar a imagem artisticamente perfeita e, em face desta, o actor, Nicholson ou qualquer actor, todos os actores tinham o estatuto de meras peças de um todo, e não podiam querer arvorar-se em centro de coisa alguma...

Sei que, à saída, o meu amigo vinha indignado com o filme. Demasiado pessoal, lamentava-se ele, demasiado em torno de uma espécie de viagem íntima existencial. E sei que, mais revolucionário do que nunca, se queixava: «Onde raio está a luta de classes tratada neste filme? Reparaste? Zero! Não há aqui luta de classes. É completamente omitida. Não vale nada, não vale nada...»

Claro, o meu amigo era pateta. Mas o meu afastamento em relação ao marxismo (não necessariamente em relação a Marx) principiou nessa altura: quando descobri que tinha de haver algum equívoco na minha pertença a uma ideologia que me impedia de fruir sem culpas um filme tão impressionante.




O Blogg está morto???


Pensei muito antes de escrever este post, mas acabei por me decidir a fazê-lo. Quando olho para este blogg, não vejo um blogg, no sentido próprio da palavra. As pessoas aqui não bloggam. Ocasionalmente, uma das três ou quatro pessoas que se interessam pelo clube de cinema, escrevem um post e, com alguma sorte, passado algum tempo, tem um comentário de uma das outras três ou quatro pessoas que se interessam. O que é certo, é que se não fosse eu e o professor José Pacheco, este blogg estaria tão morto como um vampiro transilvano. Ainda no outro dia escrevi quatro ou cinco textos aqui para o blogg, e recebi um comentário! É extremamente desmotivante... Nem tenho a certeza se alguém leu de facto o texto. No entanto, quando eu escrevi o "post infame", numa questão de vinte e quatro horas tinha já vinte e cinco comentários, o que é um recorde fantástico! Dá quase uma média de um comentário por hora. A maior parte das pessoas nem sequer escreveu para o blogg. E depois dizem que eu não respeito o clube de cinema porque faltei a algumas sessões que não me interessavam (ou porque tinha visto o filme há meses, ou porque de facto era muito mau - e temos que notar que, apesar disso, vi filmes como a Odisseia no Espaço 2001, que já tinha visto e não tinha gostado, o Sweeney Todd, que já tinha visto três ou quatro vezes, o Persépolis, que também já tinha visto, e o Estranho Mundo de Jack, que nem comento!!!), quando eu gastei dezenas de horas a escrever posts e a procurar fotos e vídeos na net, só para que, efectivamente, se discuta cinema a sério (já que durante as sessões na escola a conversa recai sistematicamente na escolha do próximo filme, ou em alguma discussão que precise de ser resolvida, não nos deixando tempo para discutir a sétima arte). Que eu me recorde apenas oito pessoas escreveram textos no blogg, e dessas apenas quatro escreveram mais do que dois posts (sendo que um deles apenas escreveu quatro). Tendo em conta que este já é o 79º post (senão me engano) chegamos a algumas conclusões interessantes... Eu sei que escrevi cerca de 20 posts aqui no blogg, e a maior parte tem um tamanho considerável. Falo sobre o cinema em geral, muitas vezes em resposta a outros posts (normalmente do professor José Pacheco, que é o único que escreve também regularmente). Devo confessar que este blogg se revelou uma desilusão mas espero que este post sirva para o melhorar, e que incentive mais pessoas a participar. Como é um post crítico, quase de certeza que vão surgir mais comentários do que é usual. Fico à espera deles.

domingo, 14 de junho de 2009

HEIL HITLER



Uma das cenas mais famosas do original To Be Or Not To Be, de Ernst Lubitsch (Design For Living, Angel, Bluebeard's Eighth Wife, Ninotchka...), que deixo aqui em contraposição ao remake "de" Mel Brooks.

ROMA


Usa-se, em português, o adjectivo «feliniano» (o qual, porém, não consta do dicionário que consultei) para designar um certo tipo de decadência que os filmes de F. Fellini tão bem conseguem reconstituir: seria um misto da degradação e do grotesco próprios de antigos aristocratas ou vedetas envelhecidos, vivendo o tempo ingrato de uma qualquer pós-revolução que os despojou de todas as glórias, mas sonhando-as ainda, evocando-as constantemente, no tom ridículo desse desajustamento, e tendo por fundo ruas e pensões pobres, famílias numerosas, homens pequeno-almoçando com chapéu e em camisola interior, velhas pequeníssimas, mulheres gordíssimas, manchas de suor por todo o lado, uma alegria de espectáculo de cabaré, contaminada pela tristeza da penúria e da fome. É algo disto ou um pouco de tudo isto que se quer sublinhar quando se afirma, perante dada situação, que ela é «tão feliniana». (E percebo por que razão os dicionários se escapam a uma tal definição: como diacho encontrariam uma síntese para o que acabei de descrever?)


Vem esta longa consideração a propósito de Roma, o filme que, este sábado, após ter gozado os dois Mel Brooks que o Eça me tinha emprestado, decidi rever, à noite.



Roma - onde, por acaso, nunca fui - é fantástica. (Dizem-me!). E Roma, de Fellini, fantástico é, também: a mais justa homenagem a uma cidade, à sua História, ao seu povo.


O filme, em forma de documentário (o que é, também, uma abordagem tão feliniana), vai contrapondo duas épocas e dois Fellini: por um lado, temos Fellini, o jovem recém-chegado à cidade, em 39, descobrindo-a como um dos principais palcos de uma guerra para onde Mussolini conduzira a Itália, entre sinais de penúria e medo que, no entanto, não apagavam o temperamento exaltado e festivo do povo; e, por outro lado, temos Fellini, o realizador já famoso que, em 1972, está rodando precisamente este filme, nesta mesma cidade, comparando-a, sempre, com a Roma da sua memória, perguntando-se pelas diferenças e pelos progressos entretanto havidos, mas, agora, em face de outros sinais e de outras pessoas: os jovens estudantes revolucionários que o interpelam e contestam («Mas que Roma vai filmar?! Aposto que é a Roma maternal e burguesa...»), os hippies, os velhos reaccionários («O que quer mostrar ao mundo? Esta Roma de drogados e prostitutas...?»)...

É o tom surrealista, de tão realista, o que marca estas cenas; não é fácil encontrar um fio condutor, porque, entre a reprodução dos momentos a que a sua memória o reconduz e a descrição da realidade de hoje (isto é, 72), o filme fragmenta-se em pequenos episódios inesquecíveis. Em vez de actores, são as pessoas comuns (tão incomuns, de facto) que Fellini procura captar, nos seus defeitos e virtudes, nas suas superstições obtusas ou nos seus tiques latinos. É um trabalho de pintor flamengo. Os rostos estranhos, os narizes, os gritos. A pensão que ele reconstitui é, simplesmente, deliciosa, com um garoto de óculos enormes, fugindo de bicicleta pelos corredores, ou o casal mal avindo que se reconcilia com mútuos insultos carinhosos durante um jantar, de antologia, em plena rua, com eléctricos a passar ao lado das mesas.

A recordação do passado em tempo de guerra é assombrosa, desde as referidas situações da pensão dirigida pela mamma gordíssima, até ao lupanar, passando pelo espectáculo de vaudeville - pobre, ridículo, de coristas e cançonetistas terríveis, de comediantes sem graça, perante um público cruel, em que os meninos urinam para o chão e uma espécie de estilosos de trazer por casa implicam cruelmente com os artistas. Ou, surgindo como ponte entre o passado e o presente, o desfile de moda clerical (de que vos deixo um excerto) é simplesmente impagável...

E, de tudo isto, sobressai Roma, la bella: enorme, carregada de História e de luz, de noites extraordinárias, sangue na guelra, gritos e paixões, mediados pela sirene de aviso dos bombardeamentos - ou onde encontramos, numa das partes de 1972, uma imperdível auto-estrada onde tudo é ainda possível...


Anita Bryant - evil nazi catholic stupid american (a propósito do MILK)




Não querendo tomar o risco de tornar este blogg do clube de cinema num blogg político, não consegui, no entanto, resistir a deixar aqui este polémico vídeo que mostra um activista gay a atirar uma tarte à cara da católica (=nazi) Anita Bryant, durante um dos seus discursos anti-homossexuais. Bem-feito, Hitler de Saias!!!

sábado, 13 de junho de 2009

Milk

Já queria ver este filme há um tempo e não é que tenha ficado mais disponível, pelo contrário, mas aproveitei que o tive uns tempos aqui por casa, para não deixar passar.

Gostei francamente de toda a questão, a homenagem que carrega, a forma como é realizado, a representação. Na minha opinião está muito bem conseguido. É uma composição entre o tom documental e o filme biográfico que nos demonstra uma pessoa que lutou e deu toda a sua vida para lutar por uma causa, uma causa baseada nos direitos humanos, na igualdade e na objectividade de todo o respeito necessário à convivência.
Talvez no fim pareça tudo muito rápido, talvez seja breve. Mas, ainda que dê essa sensação penso que tem o essencial. Não tem falhas no ritmo e conjuga especialmente bem a realidade com o que foi filmado para o filme, há uma harmonia entre os dois e talvez seja isso o que mais me agradou.

Também me agrada ter estes testemunhos de força e de luta, mas isso já não tem (tanto) a ver com a minha opinião cinematográfica.

As minhas desculpas por um texto tão breve, mas é um terrível defeito o de achar que as palavras nunca chegam. De qualquer modo, espero que tentem ver, tendo o preconceito ou não.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

John Carpenter - Master of Horrors

Encontrei no Youtube um vídeo bem melhor do que aquele do THE THING.

TRIBUTE TO JOHN CARPENTER

Sobre três filmes que me emprestaram (dois deles "ilegalmente"), já que não me recordava deles: Batman; Batman Returns; Prince of Darkness

Na quinta-feira fui a casa do Guilherme e levei-lhe alguns filmes do Spike Lee e do Mel Brooks que ele tinha ficado com curiosidade em ver (penso que depois de ter lido os meus posts). Reparei que ele tinha lá o Príncipe das Trevas e os dois primeiros filmes da série Batman, sendo que estes últimos, por sua vez, lhe tinham sido emprestados pelo João Sacramento. Presumindo que o João não se importaria de me emprestar os filmes, lá fui eu contente para casa. Eu já tinha visto os três filmes em pequeno, mas não me recordava grande coisa. O príncipe das trevas é dos poucos filmes do Carpenter que eu não tenho em DVD. Estava com tanta vontade de ver os filmes que vi os três nesse mesmo dia, acabando por me deitar quase às quatro da manhã.
















Fiquei muito surpreendido, pela positiva, com o príncipe das trevas, já que me lembrava dum filme muito mais low budget, e com um enredo pouco interessantes. E, embora de facto o orçamento fossse apenas de três milhões de dollars, o mestre Carpenter conseguia manter o suspense e o terror durante toda a obra. Usando efeitos como milhares de formigas a entrarem em frenesi, baratas a devorarem um homem, vermes a treparem janelas, ele conseguiu fazer um filme realmente apocalíptico (mas passado todo dentro de uma igreja!)













Isso sim, é obra de génio. Entre os actores, Carpenter reuniu os seus amigos Donald Pleasence e Victor Wong. O primeiro (um veterano de Hollywood) já tinha entrado no Halloween e no Escape From New York, obras-primas de Carpenter. A história do filme era simples. Um sociedade conhecida como Irmandade do Sono guardava Satanás há dois mil anos, fechado num cilindro de vidro. Segundo a história, Cristo teria tentado avisar a humanidade desse perigo e por isso tinham-nos crucificado. Então, em plena década de oitenta, com a diminuição da fé e as teorias da física quântica a refutarem a ideia de Deus, enfim, com a Modernidade a vencer o preconceito religioso, o poder do Diabo ia aumentando cada vez mais. Até que se tornou tão poderoso que acabou por abrir rachas no cilindro e transbordar para o exterior. Desde logo que o líquido do cilindro contaminou alguns cientistas que tentavam resolver o mistério e que tinham sido chamados pelo Vaticano. Eles transformaram-se em zombies, servos do diabo, e atacaram os outros cientistas.
















No final, após várias cenas de terror e suspense bem conseguidas, o diabo possui o corpo de uma mulher e aproxima-se de um espelho que dá para outra dimensão (a ideia já antiga de que a imagem inversa de um espelho abre as portas para outro lugar - Alice do Outro Lado do Espelho; Orfeu de Jean Cocteau...).









Nessa dimensão encontra-se cerrado o pai do diabo, o próprio anti-cristo que causará o apocalipse. Quando o diabo/mulher está prestes a puxar o pai, uma das cientistas atira-se para o espelho e leva o diabo com ela, ficando os três fechados na outra dimensão. Donald Pleasence, um padre, atira um machado para o espelho e fecha-os lá definitivamente. Ou não? O final, 100% à Carpenter, deixa-nos na dúvida, já que um dos cientistas sonha com a mulher que se atirou para o espelho a regressar à terra, saindo da Igreja com um ar diabólicoooo!
O que interessa é que o filme (e três milhões é de facto muito pouco) consegue manter-se como apocalíptico do início ao fim, mantendo bons momentos de terror. Imaginando que um realizador como o Spielberg teria ficado com o projecto, o que ele faria era um filme cheio de efeitos especiais, imagens do planeta a arder, demónios a voar, etectera, mas faria uma grande trampa, sem qualquer sentido de suspense ou criatividade. Resumindo, fiquei bastante satisfeito.

Quanto aos Batman's não posso dizer o mesmo. O argumento dos dois filmes não é lá muito convincente e os actores também não. O Jack Nicholson consegue arruinar o primeiro filme e o Michael Keaton é tudo menos convincente como homem-morcego.
















A Michelle Pfeifer é simplesmente péssima! Os únicos que conseguem brilhar são o fantástico Christopher Walken, o sempre vilão Jack Palance e o Danny DeVito, que se sai com uma interpretação assombrosa e muito diferente do que estamos habituados (comédias da treta com o Schwarzenegger).













As cenas de luta são prolongadas até espremerem qualquer vigor e diversão que pudessem ter, tornando-se pesadas e aborrecidas. E os gadgets chegam a ser algo ridículos... Tanto dos filmes é ocupado em cenas de luta que acabamos por não entender as motivações das personagens. Afinal, quem é aquele Batman??? É algo que se percebe, por exemplo, no mais recente Batman Begins. E a sequela The Dark Knight, apresenta-nos um Joker psicopata convincente e bem interpretado pelo Heath Ledger (aliás, quando o Nicholson viu o filme, saíu da sala de cinema a bufar de raiva). Os filmes são muito confusos, a direcção artística do Burton é muito fraquinha (sobretudo se a compararmos com outros filmes dele), os actores são terríveis e o argumento é intraduzível. O que, apesar de tudo, consegue salvar os filmes são alguns momentos à Tim Burton: o homem que é esturricado pelo Joker, o Pinguim a ser levado para o Zoo, a Catwoman a ser lambida pelos gatos da rua... Mas são dois filmes compridos e que não satisfazem ninguém (acho eu). Para além disso, a diferença entre o Nicholson e o Ledger é flagrante. Enquanto que o primeiro tenta roubar o protagonismo do filme (até aparece em primeiro lugar no genérico - sempre foi completamente presunçoso e cabotino), com aparições vistosas e risos chanfrados, o segundo, embora faça de psicopata, acaba por ser muito mais contido, sem tentar ofuscar ninguém no filme, mantendo-se pura e simplesmente como secundário. Obviamente que o primeiro acaba por ter uma interpretação terrível e o segundo, claro!, fica com o protagonismo do filme - e mais, depois da sua morte, fica para a história como um segundo James Dean.










Fiquem-se pelos batman's modernos (apesar do Christian Bale ser também péssimo, sempre contamos com um Morgan Freeman, um Michael Caine, um Heath Ledger, um Gary Oldman, um Liam Neeson e um Aaron Eckhart, para além de um argumento sério e com sentido e cenas de luta bem-feitas e rápidas... enfim, duas grandes produções que me deixaram satisfeito).

Será que vem aí um Batman 3?

quinta-feira, 11 de junho de 2009

John Carpenter's The Thing

Deixo aqui mais uma cena espectacular de um filme do Carpenter. The Thing - Veio do Outro Mundo, um filme de ficção científica sobre um alien que é encontrado numa estação do árctico e que não perde tempo em dizimar a equipa de cientistas com que se depara. Mas este bicho tem uma peculiaridade - consegue reproduzir a forma humana daqueles que mata... Kurt Russell no seu melhor. Efeitos especiais feitos com pastilha elástica e gelatina. Awesome! The Thing, um clássico de sempre.

THE THING

George A. Romero's Dead Movies = Living Classics

















Não tenho tempo para falar agora do grande Romero, por isso detenho-me apenas nos seus filmes de zombies. Em 1968, com Night of The Living Dead, Romero criava um novo género de filmes de horror - o dos mortos-vivos. Desde aí, realizou mais quatro filmes sobre zombies. Desses filmes, três funcionam como sequelas do original, enquanto o mais recente (Diary of the Dead) traz uma nova imagem do início da praga dos mortos-vivos. Actualmente, ele encontra-se a trabalhar numa sequela desse filme. Por enquanto, o título é ...of the Dead. As minhas expectativas, e as de qualquer fã de cinema, são muito altas.

O que mais interessa, no entanto, nos filmes de zombies do Romero, não são as cenas de terror ou de suspense, nem sequer aquelas incríveis e reveladoras cenas de autêntico gore que tanta gente maravilharam. É algo que nem todos entendem. A crítica ao sistema. Night of the Living Dead estreou em 1968, ano de clímax das agitações sociais em todo o mundo. Era o primeiro filme de Romero e ele não mostrava ainda nenhuma predilecção pelo género de terror. Segundo o que ele diz numa entrevista, decidiu fazer aquele filme porque era o que o orçamento lhe permitia. Então, ele usa os mortos-vivos como pretexto para satiririzar a sociedade americana.

No primeiro filme, Night of the Living Dead, ele fala sobre o racismo nos EUA. O protagonista, um negro, esconde-se numa casa quando os mortos começam a renascer. Lá, encontra Barbra, uma mulher branca que entrou em estado de choque. Desde logo que as tensões sexuais entre os dois se fazem sentir. Entretanto, surgem mais alguns personagens (brancos) que entram em confronto com o protagonista em relação à forma de defenderem a casa. Lá fora, os zombies avançam, lá dentro, as lutas raciais crescem. No final, todos morrem menos o negro. Então, ele ergue-se para espreitar para fora da casa e eis que é abatido pelos rangers americanos, que o confundem com um morto-vivo. O final, forte e quase chocante, em que um negro passa por um zombie aos olhos de um americano normal, é absolutamente fantástico.


















Night of the Living Dead - Trailer



Na sequela, Dawn of the Dead, a acção toma lugar num centro comercial. Um grupo de sobreviventes pretende abastecer-se de provisões nesse centro, mas acaba por ficar preso nele. Entretanto, um grupo de salteadores ataca o mall, e Romero mostra que nem em tempos de crise o homem se une face a um inimigo comum. Mas a maior crítica é à sociedade de consumo, já que Romero filma várias cenas em que os zombies, com algumas recordações das suas vidas anteriores, se passeiam pelo centro comercial, transportando carrinhos de compras e sacos de lojas de marca.



























Dawn of the Dead - Mall Scene



No terceiro filme, Day of the Dead, os zombies apoderaram-se completamente da terra. Num bunker subterrâneo, cientistas, militares e civis tentam descobrir a cura para o vírus dos mortos, mas a desorganização e o confronto entre uns e outros leva ao fracasso total. Romero retoma assim o tema do filme anterior, criticando a natureza do homem.























Day of the Dead - Trailer



No quarto filme, Land of the Dead, Romero fala de uma das últimas cidades humanas que se mantém de pé. Esta encontra-se protegida com todo o tipo de tecnologia e defesas naturais, mas mesmo assim os zombies atacam. Nesta cidade, os ricos vivem em apartamentos luxuosos, afastados do resto da população, uma maioria paupérrima e desgraçada, que trabalha sem descanso para alimentar os ricos. Mesmo no meio do caos, o homem criou uma sociedade desigual e injusta, em vez de se unir e enfrentar o mal comum. Romero explora também, e pela primeira vez, os direitos dos zombies. Na cidade, os zombies são usados em combates de luta-livre e alguns são aprisionados para as pessoas tirarem fotos. No filme, percebemos também que os mortos cada vez ganham mais inteligência e se assemelham aos vivos, e é-nos colocada a seguinte questão: não terão os mortos tanto direito à terra quanto nós? E mais, havendo 480 zombies por cada 1 ser humano, não terão eles mais direito até do que nós?















Land of the Dead - Trailer



O quinto filme, que regressa ao início, relatando o surgimento da praga, chama-se Diary of the Ded, e critica os media e a forma como eles manipulam a sociedade. Durante todo o filme, percebemos como os media apenas conseguem assustar as pessoas ao transmitir-lhes as notícias do renascer dos mortos, em vez de as prevenirem e ajudarem. No filme, um grupo de estudantes de cinema decide por isso filmar ele próprio a realidade à sua volta.













Diary of the Dead - Trailer



Espero a sequela!