Há filmes que começam por nos passar ao lado.
Não porque amigos não tenham chamado a nossa atenção, Vai ver, vai ver, é bestial.
Não porque não nos cruzemos com eles, na fnac, encontrando-os aí, mais tarde, a um preço bastante razoável.
Será por outra razão qualquer: vagamente, sei cá, por sentirmos que não chamam por nós, ou pensamos que, para já, temos outros filmes à espera na fila...
Belleville Rendez-vous (no original,
Les Triplettes de Belleville, isto é, as trigémeas de Belleville, que são três encantadoras velhinhas de
music hall) é, obviamente, um desses casos.
Se, na última sessão - com tantas ausências - não houvesse uma colega a emprestar-mo;
se, mesmo assim, hoje, a minha filha não pedisse para ver um filme novo;
se não,
se não,
se não e se não...,
esta p
equena obra-prima de Sylvain Chomet nunca teria tido «rendez-vous» comigo. E, claro, quem ficava a perder era eu.
Os desenhos são magníficos. Mais clássicos do que experimentais, fazem-me até lembrar uma certa fase da Disney: é fácil captarmos semelhanças entre estas figuras e as personagens dos
101 Dálmatas. Por outro lado, é adivinhável a secreta inspiração de Tex Avery: repare-se somente naquele espectáculo
dos anos 20, em que os sapatos de um ás do sapateado se libertam dele, transformando-se numa espécie de monstros que o devoram...
Mas, sobretudo, existe, na história simples de um rapto improvável e delicioso, um humor em que se misturam o realismo e o irrealismo mais caótico, que aprecio particularmente. (Um crítico do
Blitz associava-o, e bem, ao dos Monty Python). Os apontamentos realistas, aliás, não fazem cedências ao «politicamente correcto»: vejam-se os traços que definem o carácter português da senhora «Souza», o seu ligeiro buço ou a sola ortopédica com que «completa» a perna mais curta; vejam-se os retratos da velhice, mais sarcásticos do que meigos; e, por todo o lado, os dentes excessivos, as mulheres enormes e os maridos demasiado franzinos...
O filme está impregnado de uma ternura que nunca se manifesta em gestos ou afagos. Ou, sequer, em palavras. Chegamos a pensar que aquele cão não é amado; que mesmo a relação entre a mãe e o filho ciclista tem algo de duro. E, no entanto, é nos actos que se revela a dedicação que pode ir a extremos maravilhosamente absurdos.
Não posso prometer a mim próprio que não voltarei a não me interessar por filmes que valeriam a pena. Pior para mim. Mas sei que, apesar dessas desmotivações injustas, se darão, por vezes e por coincidência, outros rendez-vous especiais. É bom sabê-lo...