quinta-feira, 19 de novembro de 2009

ACERCA DE A TURMA


Enquanto alunos há que já viram cinco, seis, sete vezes o filme A Turma, no circuito comercial, na televisão e na escola, eu só o conhecia de mo recomendarem insistentemente.
Vi-o ontem convosco e, no meu caso, pois, pela primeira vez.

Concordo com as palavras da Maria, a proponente, quando, na apresentação, lhe chamava um filme «sensível e poderoso».
Sensível, é claro, porque a sua matéria, muito mais do que a escola hoje, é o grupo, «a turma»: mostrando as diferenças entre os seus elementos, por um lado e, por outro, entre estes e tudo o que os rodeia, culturalmente mas não só; e mostrando o modo como os problemas de cada um se manifestam, e são compreendidos ou não, integrados ou não mas, de uma forma ou de outra, acabam por se tornar parte do rosto colectivo.

Não sei se fui totalmente entendido quando, no debate, afirmava que, apesar do seu poder - de nos comover e fazer pensar, quanto mais não fosse - este filme é parcial. Disse mais. Disse que era um filme «manipulador», e hoje não o diria. A verdade é que se entrechocam ali diversas consciências (a dos alunos, a dos encarregados de educação, a do director, a de quem ensina), mas, verdadeiramente, só numa dessas consciências o espectador consegue entrar: a do professor; entrar, e de que maneira. Sentimos que navegamos no seu interior, compreendemos as hesitações, os dilemas, os remorsos que permanentemente o assaltam.

Ou seja, aquela realidade é a realidade segundo o professor - um professor, como se lembrava, que não tem soluções no bolso, e se encontra num permanente frente-a-frente consigo mesmo -; aquela realidade é, mais do que a «realidade» pura e simples, uma «interpretação» desta, feita a partir da experiência docente, interrogando-se continuamente sobre os seus limites e falhas, sobre a sua impotência e complexidade. Parece-me indesmentível que um aluno ou um pai teriam realizado aquele filme de outra maneira.

As ligações - para continuar a ideia que, no texto anterior, o Francisco usava como título - permanecem. Estão por todo o lado. São ligações entre diferentes filmes que vimos, porque, como lembrava o Eça, os realizadores são influenciados por outros realizadores; entre sensibilidades e experiências diferentes. As de cada uma das personagens - os alunos de raças e culturas diferentes, os profes, que nem sempre concordam uns com os outros, os encarregados de educação, com os seus preconceitos mas, também eles, vítimas dos preconceitos dos outros, e as suas expectativas ou críticas ao sistema, e as dos próprios espectadores que nós fomos, oscilando entre visões aparentemente incompatíveis, mas tentando mutuamente compreender-se. A culpa é do sistema? A culpa é de imigrantes que se não adaptam e tornam focos de problemas? A culpa é dos políticos? Há, ao menos, «culpa», ou o termo dá mal conta desta gestão complexa de diferenças e incompreensões mútuas?

Tal como aquele professor - e outros com que nos temos confrontado, em filmes que já vimos - também eu confesso que nem sempre estou muito certo da minha razão, das minhas decisões, das minhas estratégias. Nem sempre sei o que é ser um bom professor.

Não tenho uma chave, e o filme não fornece chaves. (Tal como Elephant: outra ligação). O fim, aliás, parece querer esquecer o inesquecível: houve um aluno que o sistema não conseguiu converter, que o professor não conseguiu interessar, que não se permitiu que se corrigisse, ou adaptasse, ou evoluísse. É dessas falhas que uma escola, qualquer escola se faz.

Admirável. Tudo: o filme, as ligações, a discussão. A falta de chaves - e uma procura constante e colectiva de chaves que, provisoriamente, possam ir abrindo algumas portas...

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Isto, anda tudo ligado...

Chegou a hora de fazer o balanço dos filmes que iniciaram (e terminaram?) o ciclo “Educação e Sociedade”. No dia 4 de Novembro o jornalista Carlos Vaz Marques deu-nos o prazer de ouvir a sua proposta de debate com o filme “Elephant” de Gus Van Sant.

Explicou-nos a parábola budista sobre um grupo de cegos que examinam várias partes de um elefante. “Todos eles conseguem descrever a parte que lhes cabe, mas ninguém tem a percepção do todo”.



Na semana seguinte, 11 de Novembro, o João d’Eça apresentou-nos “Sementes de Violência” de Richard Brooks. Aqui “assistimos a um professor que luta, e luta no sentido literal, para dominar uma turma de delinquentes juvenis, que insistem num comportamento anti-social”, como nos referia o João no folheto do Clube.

Curiosamente numa passagem deste filme de 1955 um professor fazia referência também à parábola budista do elefante. Talvez tentando provar, mais uma vez, que as ligações podem existir onde menos se espera…




Hoje, 18 de Novembro, é-nos proposto pela Maria Carlos Nunes uma outra visão da Escola com o filme “A Turma” de Laurent Cantet. Ela escreve que “é um filme sensível e poderoso que nos permite estar, tanto no papel de docente como no de aluno ou mesmo no papel de mero espectador, observador de um espectáculo que nos é tão próximo e familiar. Já por isso valeria a pena ver A Turma”.



Já agora ficam a saber que tal como “Elephant” este filme tem como personagens actores estudantes cujo nome coincide (na sua maioria) com o da vida real.

Mais ligações?…

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

ELEPHANT E OS CEGOS

Acabo de entrar em casa, as mãos mal conseguindo abraçar a pasta, a filha ainda adoentada, o filho amparando-se, também doente, ao meu ombro, um saco plástico com a comida que sobrou do almoço deles.
Pormenores hiper-realistas à parte, o que interessa contar é que vou ter de a aconchegar na cama, porque adormeceu, e de o ajudar a ele a pôr-se confortável, mas sem esconder que estou ansioso por me sentar ao computador: apetece-me, e imediatamente, porque ainda trago tudo muito vivo no espírito, principiar a escrever um texto - este texto - acerca da sessão de cinema de onde venho.

Gostei de conhecer Carlos Vaz Marques, o convidado: cala-me sempre fundo encontrar mais uma dessas pessoas admiráveis que, no interior de uma agenda preenchidíssima, encontram sempre tempo e disposição para aceitar um convite simples, de um clube escolar.

E valeu a pena ter visto o filme de Gus van Sant, Elephant, que não conhecia e me surpreendeu pelo tipo de abordagem de um assassínio em massa praticado por dois jovens.

O mais brutal dos acontecimentos, e o mais emotivo, é visto, paradoxalmente, através de um olhar despido de emoção, como se fosse um robot ou um extra-terrestre a observar as situações, curiosa mas friamente.

As cenas mais corriqueiras são demoradamente perscrutadas por esse olhar, o qual não criaafinidade com nada ou ninguém: nenhuma empatia permite que nos identifiquemos com as personagens. Ou, sequer, que cheguemos a odiar os maus. E se essa ausência de filtro nos perturba, ela vem instalar uma certa banalidade (mas, mais ainda do que essa banalidade tantas vezes referida, estabelece um vazio do afecto, de afectos).

Tudo parece gratuito - e, afinal, nada é gratuito; há sentidos que nos escapam, enigmáticos ou, como lembrava Carlos V. Marques, intuídos em alguns sinais, como pontas soltas, indícios que não se chegam a completar, meras possibilidades que o realizador não fecha nem esgota.

O debate que se seguiu, vivíssimo, foi dos mais interessantes a que o clube já assistiu: diria que Sicko e Elephant foram, este ano lectivo, desse ponto de vista, dos filmes mais provocadores e estimulantes.

Também no debate nada foi gratuito, e tudo serviu para o tornar um momento riquíssimo de conversa, partilha e discussão: que o Eça não tivesse apreciado o filme e o considerasse pretensioso, que a Luísa, amiga de há muito do Carlos, conseguisse fazer a ginástica que fez para o reencontrar, que Elisa, ex-professora do nosso convidado, tivesse saído mais cedo do Pedagógico para o outro grande reencontro da tarde, que um grupo não suportasse mais tempo o filme e abandonasse a sala a meio, que os gostos fossem diferentes, que as perspectivas fossem múltiplas - à imagem do próprio elefante que seria diferentemente percepcionado e descrito por cada um dos cegos à volta dele.

Nós fomos os cegos diante de Elephant. E a verdade é que, de ângulos diferentes, segundo diferentes gostos, compusemos um possível puzzle.

Nós fomos os cegos, e vimos muito bem.

Obrigado, Carlos, e até breve.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

O Clube de Cinema convida o jornalista Carlos Vaz Marques

"O filme que vos proponho para a sessão da próxima quarta-feira é o «Elephant», de Gus Van Sant.



É um filme «sobre» a escola e passa-se em ambiente escolar.
Escolho-o por ser um filme de que gosto muitíssimo, por ter múltiplas abordagens possíveis, por levantar uma questão pertinente e por ser esteticamente notável.
Permite-nos falar do tema e da linguagem em que ele é tratado.
Não é um filme fácil, segundo nenhum ponto de vista, mas creio que é um filme que oferece extraordinárias recompensas a quem tiver disponibilidade para ele."

Carlos Vaz Marques

O filme passa às 14h30 do dia 04 de Novembro, no Anfiteatro, e terá a presença do jornalista convidado para o debate.