Enquanto alunos há que já viram cinco, seis, sete vezes o filme
A Turma, no circuito comercial, na televisão e na escola, eu só o conhecia de mo recomendarem insistentemente.
Vi-o ontem convosco e, no meu caso, pois, pela primeira vez.
Concordo com as palavras da Maria, a proponente, quando, na apresentação, lhe chamava um filme «sensível e poderoso».
Sensível, é claro, porque a sua matéria, muito mais do que a escola hoje, é o grupo, «a turma»: mostrando as diferenças entre os seus elementos, por um lado e, por outro, entre estes e tudo o que os rodeia, culturalmente mas não só; e mostrando o modo como os problemas de cada um se manifestam, e são compreendidos ou não, integrados ou não mas, de uma forma ou de outra, acabam por se tornar parte do rosto colectivo.
Não sei se fui totalmente entendido quando, no debate, afirmava que, apesar do seu poder - de nos comover e fazer pensar, quanto mais não fosse - este filme é parcial. Disse mais. Disse que era um filme «manipulador», e hoje não o diria. A verdade é que se entrechocam ali diversas consciências (a dos alunos, a dos encarregados de educação, a do director, a de quem ensina), mas, verdadeiramente, só numa dessas consciências o espectador consegue entrar: a do professor;
entrar, e de que maneira. Sentimos que navegamos no seu interior, compreendemos as hesitações, os dilemas, os remorsos que permanentemente o assaltam.
Ou seja, aquela realidade é a realidade segundo o professor - um professor, como se lembrava, que não tem soluções no bolso, e se encontra num permanente frente-a-frente consigo mesmo -; aquela realidade é, mais do que a «realidade» pura e simples, uma «interpretação» desta, feita a partir da experiência docente, interrogando-se continuamente sobre os seus limites e falhas, sobre a sua impotência e complexidade. Parece-me indesmentível que um aluno ou um pai teriam realizado aquele filme de outra maneira.
As ligações - para continuar a ideia que, no texto anterior, o Francisco usava como título - permanecem. Estão por todo o lado. São ligações
entre diferentes filmes que vimos, porque, como lembrava o Eça, os realizadores são influenciados por outros realizadores; entre sensibilidades e experiências diferentes. As de cada uma das personagens - os alunos de raças e culturas diferentes, os profes, que nem sempre concordam uns com os outros, os encarregados de educação, com os seus preconceitos mas, também eles, vítimas dos preconceitos dos outros, e as suas expectativas ou críticas ao sistema, e as dos próprios espectadores que nós fomos, oscilando entre visões aparentemente incompatíveis, mas tentando mutuamente compreender-se. A culpa é do sistema? A culpa é de imigrantes que se não adaptam e tornam focos de problemas? A culpa é dos políticos? Há, ao menos, «culpa», ou o termo dá mal conta desta gestão complexa de diferenças e incompreensões mútuas?
Tal como aquele professor - e outros com que nos temos confrontado, em filmes que já vimos - também eu confesso que nem sempre est
ou muito certo da minha razão, das minhas decisões, das minhas estratégias. Nem sempre sei o que é ser um bom professor.
Não tenho uma chave, e o filme não fornece chaves. (Tal como
Elephant: outra ligação). O fim, aliás, parece querer esquecer o inesquecível: houve um aluno que o sistema não conseguiu converter, que o professor não conseguiu interessar, que não se permitiu que se corrigisse, ou adaptasse, ou evoluísse. É dessas falhas que uma escola, qualquer escola se faz.
Admirável. Tudo: o filme, as ligações, a discussão. A falta de chaves - e uma procura constante e colectiva de chaves que, provisoriamente, possam ir abrindo algumas portas...