Pormenores hiper-realistas à parte, o que interessa contar é que vou ter de a aconchegar na cama, porque adormeceu, e de o ajudar a ele a pôr-se confortável, mas sem esconder que estou ansioso por me sentar ao computador: apetece-me, e imediatamente, porque ainda trago tudo muito vivo no espírito, principiar a escrever um texto - este texto - acerca da sessão de cinema de onde venho.
Gostei de conhecer Carlos Vaz Marques, o convidado: cala-me sempre fundo encontrar mais uma dessas pessoas admiráveis que, no interior de uma agenda preenchidíssima, encontram sempre tempo e disposição para aceitar um convite simples, de um clube escolar.
E valeu a pena ter visto o filme de Gus van Sant, Elephant, que não conhecia e me surpreendeu pelo tipo de abordagem de um assassínio em massa praticado por dois jovens.
O mais brutal dos acontecimentos, e o mais emotivo, é visto, paradoxalmente, através de um olhar despido de emoção, como se fosse um robot ou um extra-terrestre a observar as situações, curiosa mas friamente.
As cenas mais corriqueiras são demoradamente perscrutadas por esse olhar, o qual não cria

Tudo parece gratuito - e, afinal, nada é gratuito; há sentidos que nos escapam, enigmáticos ou, como lembrava Carlos V. Marques, intuídos em alguns sinais, como pontas soltas, indícios que não se chegam a completar, meras possibilidades que o realizador não fecha nem esgota.
O debate que se seguiu, vivíssimo, foi dos mais interessantes a que o clube já assistiu: diria que Sicko e Elephant foram, este ano lectivo, desse ponto de vista, dos filmes mais provocadores e estimulantes.
Também no debate nada foi gratuito, e tudo serviu para o tornar um momento riquíssimo de conversa, partilha e discussão: que o Eça não tivesse apreciado o filme e o considerasse pretensioso, que a Luísa, amiga de há muito do Carlos, conseguisse fazer a ginástica que fez para o reencontrar, que Elisa, ex-professora do nosso convidado, tivesse saído mais cedo do Pedagógico para o outro grande reencontro da tarde, que um grupo não suportasse mais tempo o filme e abandonasse a sala a meio, que os gostos fossem diferentes, que as perspectivas fossem múltiplas - à imagem do próprio elefante que seria diferentemente percepcionado e descrito por cada um dos cegos à volta dele.
Nós fomos os cegos diante de Elephant. E a verdade é que, de ângulos diferentes, segundo diferentes gostos, compusemos um possível puzzle.
Nós fomos os cegos, e vimos muito bem.
Obrigado, Carlos, e até breve.
Foi um filme extraordinariamente forte e marcante. Já o tinha visto, e gostei ainda mais de o rever. Gostei de conhecer o Carlos :)
ResponderEliminarConcordo totalmente contigo José. Saímos desta sessão com a nítida sensação que aquela conversa foi importante. Permitiu confrontar visões diferentes sobre o filme e aprofundar (com essas novas participações) aspectos que não demos tanta atenção. Quando esta partilha funciona desta forma a opinião do grupo enriquece-nos e percebemos as vantagens em continuar a levar por diante este projecto do Clube de Cinema.
ResponderEliminarJá no autocarro de regresso a casa para Carnaxide, e ainda no rescaldo da sessão, alguém do CC perguntava: e agora quem vai ser o próximo convidado?
E este parece ser o melhor elogio a esta iniciativa que tanto nos apaixona.
A propósito, já repararam que o nº de “cinéfilos” do blogue está a aumentar?
Apesar de ser uma incondicional do Clube de Cinema, pouco tenho por lá passado, sobretudo porque as quartas-feiras são aquele dia fatídico de C. Pedagógicos e afins. Apesar disso, não posso deixar de dizer-vos - a ti, Francisco, a ti, Zé António, e aos meus queridos alunos do Clube - que o Anfiteatro, nas tardes de quarta-feira, é um daqueles lugares de fruição estética, reflexão partilhada e exercício de liberdade, cuja existência justifica o gosto de ser daqui.
ResponderEliminarObrigada por isso e, já agora, obrigadíssima por me terem propiciado o encontro com o meu ex-aluno Carlos Vaz Marques. Talvez imaginem o gozo que me deu reencontrá-lo e debater com ele um filme que é também sobre a Escola. Foi um debate fantástico!