sábado, 19 de dezembro de 2009

APOCALYPSE NOW 30 ANOS DEPOIS

A discussão é sempre essencial. Mesmo quando se torna amarga ou triste - e diria, até, mesmo quando nos soa como uma conversa de surdos: em última análise, parecendo que cada uma das pessoas não se ouviu senão a si mesma, é bem possível que as palavras do outro tenham penetrado por uma porta subterrânea e permaneçam em nós, fazendo o seu lento e secreto trabalho, mudando ideias que estavam aparentemente consolidadas, mudando-nos.

Não imaginam as vezes que, no Clube de Cinema - ou nos projectos associados ao clube, como por exemplo este blogue -, as discussões me levaram a repensar o que tinha por assente. E, muitas vezes, a alterar o ponto de vista. Ainda bem.

Assim, de caras, recordo alguns exemplos: 1) quando referi Yul Brynner ou Leonardo DiCaprio como exemplos acabados de actores-canastrões, e me fizeram lembrar que, em The king and I, o primeiro tinha sido extraordinário e, em Revolutionary Road, o segundo representava, com invulgar brilho, um jovem marido-e-pai de uma família suburbana com demasiadas aspirações e expectativas da vida; 2) ou quando JC nos convidou a ver o 2001: Odisseia no espaço, obrigando-me (atacado de todos os lados simultaneamente), a tentar compreender e explicar por que razão gostara tanto daquele filme! Continuo a gostar muito de 2001, talvez goste agora ainda mais, mas certamente não me foi indiferente que a maioria do clube me tenha forçado a este exercício de perceber e fundamentar, perante mim próprio e perante os outros, tal gosto, digamos para simplificar, "elitista" e difícil.

Com Apocalypse Now, aconteceu uma experiência similar.
Trata-se de um filme que me interessou muito em 1979 ou 80. Mas, para mim, não ultrapassou, então, uma história de guerra, como outras, embora com grande força.
Apresentado, agora, no anfiteatro, por Ana Páscoa; revisto com uma outra maturidade e uma outra atenção; discutido, a seguir, com os presentes, Apocalypse Now foi um filme completamente novo que, de certa forma, eu nunca vira. Compreender, por exemplo, quem é Kurtz, o que o move a partir do mais fundo da sua personalidade estilhaçada, que nunca nos é inteiramente oferecida, ficando sempre dependente das interpretações que queiramos fazer ou das lógicas que lhe queiramos impor - logo a ele, cuja lógica própria tem tão pouco que ver com as "lógicas" que nós frequentamos -, ou por que razão aquela violência em estado quimicamente puro nos hipnotiza, ou que fantasmas e medos nossos acordamos em face deste filme, levam-me a sentir que, no cinema, para mim, nada está ou estará concluído ou esgotado. Nem sequer os filmes que já vi, e julgava ter definitivamente catalogado. Tudo se metamorfoseia e refaz. Tudo é outra coisa, porque me apontam um pormenor que me escapara, porque me propõem uma interpretação que eu não fizera, porque me levantam dúvidas, porque me levantam ligações, porque me levantam discordâncias.

O Clube tem-me, literalmente, educado para o cinema.

2 comentários:

  1. Só posso é concordar com o que diz no texto, ainda por cima eu, que comecei há muito pouco tempo "nesta vida" tenho aprendido e de que maneira!

    Ver cinema já nao é a mesma coisa a partir do momento em que comecei a frequentar o Clube de Cinema, parece haver muito mais naquilo que vejo do que aquilo que via.

    Quanto à sessão, foi mesmo muito interessante. Só faltavam mais alunos, para confrontar ainda mais as perspectivas.

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  2. Partilho essa sensação de redescoberta! Também eu sinto um ganho social (e cultural, porque não?) na partilha dos espaços do clube de cinema. Seja pelo impeto de disfrutar de uma tarde a ver um filme, ou pela revisão das nossas ideias e noções do cinema desencadeada pela vontade de argumentar as nossas escolhas e os nossos gostos.
    Como diz o lema adoptado pelo clube, "Gostos discutem-se". E nós só podemos ficar a ganhar com isso!

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