quinta-feira, 21 de abril de 2011

Ainda a propósito da visualização, na última sessão, do filme “Capitães de Abril” de Maria de Medeiros.



Por alturas da procura do texto crítico que acompanharia, no folheto sobre o filme, a opinião da nossa convidada, tive alguma dificuldade em encontrar algo suficientemente interessante.

O tempo mais chuvoso destes dias tristes permitiu-me algumas arrumações - às vezes muito desarrumadas…


E assim, eis-me diante de um texto de Joaquim Fidalgo (ver link) de 30 de Abril de 2003, publicado no jornal “Público” numa crónica periódica de nome “Crer Para Ver”, que decidi partilhar convosco.

Abril ainda
Daqui, deste cantinho singelo e breve, eu gostava, muito humildemente, de agradecer a Maria de Medeiros o filme que ela fez sobre o 25 de Abril, filme que há dias revi na RTP1.
Alguém devia fazer esse filme - e ela fez.

Alguém devia falar desse dia, desse tempo, com uma linguagem bonita, rigorosa mas simples, de barulhos e festa, mas também de silêncios, de ouvir e de ver (de "ouver", como dizia o José Duarte), de passar e andar rente ao coração sem por isso deitar fora a cabeça - e ela falou. Alguém devia contar essa história com razoável atenção à realidade dos factos - e ela contou -, mas sem ficar também preso à mera espuma da factualidade mais imediata do real - e ela não ficou. Ela temperou a história com umas quantas histórias ficcionadas, criadas, reinventadas, para assim chegar mais e melhor (e nós com ela) à verdadeira verdade daquilo que aconteceu. E nada melhor do que uma boa ficção para nos revelar a verdade tantas vezes invisível na mera observação dos factos, essa camada superficial das "coisas tal qual foram", que frequentemente tão pouco nos diz das coisas em si.

Alguém devia, por um momento, devolver-nos os nossos heróis puros, simples e ingénuos, heróis que coordenam as operações militares de um golpe de Estado com o mapa das estradas do ACP e se perdem nas ruas estreitas da cidade grande, e param ao sinal vermelho do semáforo quando vão a caminho de fazer a revolução só porque não querem magoar ninguém, mas que são ao mesmo tempo tão determinados, tão seguros, tão generosos - e ela devolveu-nos. Pôs-nos ao lado deles por um instante de sonho (tão real ele também), mesmo sabendo nós que muitos haveriam de ser, mais tarde, triturados pela roda voraz de novos e velhos poderes. Muitos, não todos. E um só que fosse, um só que sobrasse...

Alguém devia pôr a par história de Abril e história de amor, falar de uma e de outra entrelaçadas, como a metáfora tão realidade de uma Manuel e uma Rosa enfim livres por todos os lados, enfim encontrados, enfim dados no seio acolhedor de uma "chaimite" que anunciava o tempo novo - e ela, Maria de Medeiros, pôs, falou.

Como já antes, quero crer, o tinha feito Sophia de Mello Breiner Andresen, artista única do olhar, do ver e do dizer, em dois dos seus poemas mais conhecidos, tão sintomaticamente semelhantes no impulso inicial, tão paralelos na forma, falando um de uma coisa e outro de outra e os dois, no entanto, da mesma - e de um quase mesmo modo. Poemas separados por três décadas, mas, bonita coincidência, próximos até nos números do tempo em que nasceram (um de 1947, outro de 1974), poemas que guardamos dentro de nós com o encanto do primeiro alvorecer.

Este:
"És tu a Primavera que eu esperava
A vida multiplicada e brilhante
Em que é pleno e perfeito cada instante."
(Dia do Mar, 1947)

E este outro:



"Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo."
(O Nome das Coisas, 1974).

Poemas de amor, ambos.

Joaquim Fidalgo

1 comentário:

  1. Ah é verdade já me esquecia... Reparem que o autor da crónica, Joaquim Fidalgo, é o mesmo que nos tem "emprestado" aquele texto que tem servido de lema para o nosso Clube de Cinema "Gostos Discutem-se":

    “(...) Discutir os gostos do outro não é desconsiderá-lo - pelo contrário, é valorizá-lo, e querer entendê-lo, é abrir um debate que, depois de aberto, pode levar a muitas novas conclusões, do outro ou de mim próprio. Tentar convencer o outro de que o meu gosto é mais "gostoso" também não tem nada de mal, desde que eu o faça com argumentos e diálogo, num processo que me leva a ouvir também o que ele tem para me dizer dos seus próprios gostos. (...) Joaquim Fidalgo "Público" 15 Fev. 2006

    Talvez,quem sabe, um dia destes, seja ele o nosso convidadado para apresentar e debater mais um filme...

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