segunda-feira, 16 de maio de 2011

28.ª Sessão do CC de 2010/2011

Quarta-feira no Anfiteatro
18 de Maio de 2011 às 14h30

Azul
de Krzysztof Kieslowski


apresentado pela
Prof.ª Conceição Ribeiro



«Nós que vivemos nos campos de concentração, lembramo-nos dos homens que passavam pelas tendas confortando os outros, dando-lhes o seu último pedaço de pão. Podem ter sido poucos, mas são a prova suficiente de que se pode tirar tudo a um homem, menos uma coisa: a última das suas liberdades – a de escolher o seu comportamento em quaisquer circunstâncias, a de escolher o seu próprio caminho.»
(Victor E. Frankl, Man´s Search for Meaning).


«Sobre a Liberdade … E tudo o que quereis afastar para ficardes livres, que é, senão fragmentos de vós mesmos?»
(Khalil Gibran, O Profeta,)


O Azul da bandeira francesa (a tricolor, azul, branco e vermelho) está associado à liberdade.

A utilização de imagens de azul no filme não deixa de ser paradoxal. Ora nos remete simplesmente para as cores de objectos significantes associados às personagens, ora nos desafia a postular novos significados, em contextos mais abstratos Na verdade, o azul é a cor associada à dor da perda. No entanto, Kieslowski usa o sofrimento como um meio para ilustrar o tema da libertação catártica.
A superfície azul da água da piscina, inicialmente é sugerida como um escape, onde Julie procura um esforço físico mais do que um confronto emocional; onde, ainda assim, por duas vezes, procura sucumbir, respira ofegante e pára, repentinamente vencida pelos fragmentos de acordes de um concerto inacabado.
Raros são os momentos de luz branca.
Juliette Binoche no papel de Julie Vignon de Courcy, a única sobrevivente de um acidente de carro que tirou a vida de seu marido, um famoso compositor e sua filha. Incapaz de viver na propriedade rural com suas lembranças dolorosas, ela abandona todos os seus pertences para iniciar uma “nova vida”.
A dor de Julie é tão profunda que ela não pode chorar, nem sentir. Ela parece fria e silenciosa, indiferente à sua perda. No entanto, sua linguagem corporal revela que ela está em profundo sofrimento.
Julie está sempre, ou quase sempre, sob o olhar da câmara do realizador … ainda que pontuado por períodos de escurecimento, “blackouts”, como se isso correspondesse a um fechar de olhos, a olhar para dentro e a explorar os seus pensamentos mais recônditos e as suas memórias.



Azul é um filme com imagens de enorme beleza, como uma miragem, intencionalmente construído para ser olhado. Uma construção que não assenta nos diálogos imaginados mas na subtileza das imagens/acções. A esse respeito, Pedro Almodovar terá dito que são imagens a mais, demasiado belas para serem levadas a sério e terá argumentado que os espectadores serão levados pelas imagens ao ponto de perderem o essencial do filme, as mensagens mais profundas escondidas atrás das aparências.
Kieslowsky usa magistralmente uma linguagem cinemática para exprimir e representar situações e estados emocionais difíceis e complexos. Ele sublinha, até ao limite, as possibilidades dessa linguagem, por forma a abrir caminho a novas perspectivas: não se trata de simples brincadeiras, truques para distrair o espectador, trivialidades ou seduções. Pelo contrário, representam um esforço no sentido de chegar a novas descobertas (do cinema, da humanidade), como estratégias de destabilização, tão vulneráveis quanto belas. Há pormenores que nos aproximam do inferno, do desespero, do medo, da condenação. O que Kieslowsky procura fazer é descobrir uma linguagem cinemática que possa exprimir os dilemas de Julie.
O conflito central foca-se no modo como Julie elabora o processo de luto, como é gerida a dor da perda …. Definitivamente, não perfilho a ideia de que Julie quisesse livrar-se das suas memórias, esvaziar-se do passado e reconstruir uma nova relação com o futuro, reprimir a dor ao ponto de a negar. Embore tente viver sem história ou desejo, as memórias vêm ao de cima, de vez em quando e de diferentes maneiras: fragmentos de música vencem-na, acompanhados por vazios (blackouts) … Julie retorna à vida e progressivamente envolve-se com os outros. Julie faz uma espécie de reconciliação com o passado.
Há um momento que nos chama a atenção para a impossibilidade de Julie escapar ao seu passado, a um passado que ela desconhecia. A única cena no filme em que Julie não está presente é quando Olivier esvazia a secretária de Patrice e onde estão as fotos de Sandrine… o passado veio ter com ela e as tentativas para cortar com esse passado não tiveram sucesso…

Uma pessoa pode ter todas as coisas do universo, mas se não tiver com quem as partilhar, então a sua existência de nada vale. Foi essa a história de Julie, que tentou livrar-se de tudo o que a ligava aos outros mas acabou por perceber que valia a pena envolver-se e fruir da companhia dos demais (Olivier, Lucille, Antoine), partilhar conhecimentos e bens materiais (Sandrine e Olivier), sem perder a sua individualidade, aceitando e respeitando as escolhas de cada um.
Peculiar o que aproximou duas mulheres tão diferentes – Julie e Lucille - um acaso fortuito, como o abster-se de participar condicionou de forma determinante a vida de Lucille, como se reconheceram próximas uma da outra, ao ponto de poderem confiar os seus medos.
A sequência final começa e acaba com Julie, como se todos fizessem agora parte dela. Ela completou o concerto e fez o luto. Tentou viver em “LIBERDADE” – sem memória, sem desejo, sem trabalho ou quaislquer envolvimentos … ironicamente voltou a conhecer o amor, um amor renascido, inteiramente novo.
Para uns, as imagens da sequência final do filme sugerem um novo renascer, para outros uma “unificação”, em consonância com o concerto e a unificação da Europa.

«Se eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, mas não tiver amor, sou um sino ruidoso ou como o címbalo que retine. E se eu tiver o dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e se eu tivesse toda a fé, a fim de mover montanhas, mas não tiver amor, nada serei….» I Coríntios 13: 1-2

Conceição Ribeiro

webresources:
www.sensesofcinema.com
Strictly Film School / Acquareloo 1997 e ainda «Reading ThreeCoulours: Blue», by Richard Rushton, October 2000

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