A propósito da sessão de ontem do filme "A Vida é Bela" proposto pela Catarina Pereira, não resisto a mostrar um vídeo que encontrei no you tube (por ali encontra-se quase tudo) que me foi sugerido pela crítica do Jorge Leitão Ramos que coloquei no folheto e que passo a transcrever:
"Começou em Cannes, com aquele prémio que Benigni recebeu ajoelhando-se aos pés do presidente do júri, Martin Scorsese - criando o "gag" e o acontecimento da noite. A sério, a sério, a coisa não era para menos: o "clown" via o seu mais recente filme reconhecido por um areópago que não costuma laurear divertimentos ocos."
"Depois, a avalanche continuou, quer em prémios vários em diversíssimos festivais, quer num sucesso de bilheteira que extravasou a Itália e se estendeu a vários países, incluindo os Estados Unidos.
A Vida É Bela chega esta semana a Portugal - e, sustente-se já, seria lamentável que o público não acorresse a vê-lo.
Não sou entusiasta nem do actor nem do realizador Roberto Benigni. Até agora, salvo em momentos esparsos, a sua comicidade sempre me pareceu sustentada em mecanismos de facilidade, dos quais o histrionismo desmesurado do actor, a sua electrizante energia física, surgiam sem controlo, como se tivessem um valor em si.
Que tinham realmente valor - de mercado - prova-o o estrondoso êxito dessas fitas, principalmente em Itália, onde ele é um incontestado campeão de bilheteira, os seus trabalhos sendo dos muitíssimo raros que, se batem de igual para igual com as locomotivas americanas. Só que a capacidade de entreter o povo nunca foi critério de avaliação crítica.
Todavia, em A Vida É Bela, Benigni evolui apreciavelmente. Sem perder as suas características populares, mantendo-se criatura articulada, «boneco» desenfreado, Benigni envolve-se num manto de poesia. Guido, assim se chama o personagem da fita, não é um pateta desastrado e sempre-em-pé. É um personagem que começa com a aparência e a substância do eterno «boneco» de Benigni, depois vai ganhando espessura, sentimentos fortes, uma inteligência que sobreleva a esperteza infantil, uma capacidade de combate que não é simples teimosia. E, depois, o «clown» não faz rir apenas porque se despenha ao comprido na rua, porque leva pontapés ou porque sustenta um fluxo verbal insensato em situações de apuro.
O «clown» é um mágico. É alguém que conquista a mulher amada chamando-lhe «princesa» e fazendo-a sentir-se como tal. Ele move as estrelas se preciso for para que o seu amor seja feliz. Ele introduz na rudeza do quotidiano o imponderável, polvilha a vida com o doce prazer do ilusionista que é capaz de criar o inesperado e sempre inventar gentilezas - mesmo se o tempo de domínio fascista na Itália não é o mais acolhedor dos ambientes.
Quando A Vida É Bela entra naquele que para toda a gente é o lugar central do filme (um campo de extermínio nazi), que o protagonista, para proteger o filho, tente prolongar a magia, na mais impensável das situações, faz com que a respiração do filme sofra um forte abanão.
O que até aí era pura fantasia romântica povoa-se de uma carga de patético, cada vez menos ridente, cada vez mais intolerável. O humor entra em processo de ocaso e avulta a força dos sentimentos, de maneira que a comédia se transmuta em melodrama, num crescendo que emudece o riso e floresce em lágrimas e alegria no final. O mais notável do filme é isso, é a capacidade de ir mudando de registo, mantendo uma coerência de fábula e, sobretudo, uma moral vincada desde a abertura: que a vida é bela se a povoarmos de fantasia, que a vida permanece e floresce mesmo para lá do horror e da morte.
Um pouco por toda a parte, entre os muitíssimos aplausos, ouviram-se vozes fortes, dissonantes, escandalizadas com a mistura de riso e Holocausto. Na «Time», Richard Schickel chamou mesmo ao filme «uma fábula fascista», porque trivializaria o horror. É de esperar que quem olhe para A Vida É Bela de um ponto de vista secamente histórico possa partilhar tais opiniões.
Estará, todavia, quanto a mim, a passar ao lado do que é essencial na fita: a afirmação da superioridade da resistência da vida mesmo perante os fornos crematórios. É por isso que este filme é tão comovente como ver uma ervinha a ganhar corpo nas encostas das estéreis cinzas de um vulcão.
Jorge Leitão Ramos
Jornal Expresso, 23 Janeiro de 1999
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Gostei desta descrição do filme. Parece mais uma transcrição da nossa reacção ao visionar o filme, do que mais propriamente uma critica. Já agora, todo o corpo do texto que incluiste a seguir ao excerto faz parte da tal critica do Jorge Leitão Ramos, certo?
ResponderEliminarSim. Eu decidi interromper o texto crítico com este famoso vídeo que descobri recentemente. Tentei colocar um outro vídeo da atribuição do óscar do melhor filme estrangeiro nesse ano (e que é muito divertido) disponível no you tube que eu convido também a visualizar mas não estava passível de ser incorporado (http://www.youtube.com/watch?v=8cTR6fk8frs)
ResponderEliminarUm abraço.