Perguntava eu: «Se te fosse dada a oportunidade de ires ver um único filme, e tivesses de escolher entre o último Almodóvar ou o filme sobre a psicanálise [o último Cronenberg], qual escolhias?»
Francisco hesitou. Se não na escolha, na justificação. Mas acabou por deixar que a sua preferência viesse ao de cima: Almodóvar.
A ocasião que eu antecipava verificou-se nessa mesma noite: estava sozinho diante de um cinema de múltiplas salas, pus-me na fila e confesso que, no momento em que o jovem de boné me perguntou o que desejava, ainda não tinha uma resposta. Porém, ouvi-me a mim próprio dizer: «Um bilhete para
Um Método Perigoso, por favor». [Ou seja: Cronenberg, em vez de Almodóvar. Seria preciso um psicanalista para seguir as associações que, inconscientemente, me levaram a esta escolha].
O filme não me decepcionou - não a mim, que sou um "apaixonado crítico" pela psicanálise, que discuto ainda hoje com Freud e me interessei em certo momento por Jung. [Digo-o sem o menor pretensiosismo]. Não o recomendaria, porém, a leigos ou a desinteressados do tema, porque o centro do filme é, não só o tratamento daquela jovem histérica e masoquista, não só a relação erótica entre ela e o psiquiatra [Jung], com tão pesadas consequências, mas talvez também a própria teoria psicanalítica. E, portanto, ao longo de inúmeras conversas entre Freud e Jung, ou da correspondência entre os dois [vozes off], assistimos à formação e à discussão do método, às primeiras zangas e à ruptura entre o mestre e o discípulo predilecto, o rei e o delfim.
Do ponto de vista histórico, o filme é soberbo. Tem-se chamado a atenção para o rigor da caracterização de personagens e ambientes, ou a forma meticulosa como Cronenberg reconstitui uma época. Sem dúvida. Mas é um Cronenberg completamente inesperado: Jorge Leitão Ramos detecta a continuidade entre todos os filmes do realizador: seria sempre uma intimidade perturbada o que o preocupa, não «o que está na pele», mas «o que se oculta
sob a pele (ainda que se manifeste fisicamente)». Não vejo continuidade. Vejo um filme sobre a história e a teoria psicanalíticas; vejo um filme sobre os limites éticos do amor e do erotismo; vejo um filme sobre a neurose e as diferentes perspectivas acerca de como lidar com ela. Se eu não soubesse, nunca adivinharia que se trata de um filme do mesmo realizador que fez
A Mosca...