quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

UM MÉTODO PERIGOSO


Perguntava eu: «Se te fosse dada a oportunidade de ires ver um único filme, e tivesses de escolher entre o último Almodóvar ou o filme sobre a psicanálise [o último Cronenberg], qual escolhias?»
Francisco hesitou. Se não na escolha, na justificação. Mas acabou por deixar que a sua preferência viesse ao de cima: Almodóvar.

A ocasião que eu antecipava verificou-se nessa mesma noite: estava sozinho diante de um cinema de múltiplas salas, pus-me na fila e confesso que, no momento em que o jovem de boné me perguntou o que desejava, ainda não tinha uma resposta. Porém, ouvi-me a mim próprio dizer: «Um bilhete para Um Método Perigoso, por favor». [Ou seja: Cronenberg, em vez de Almodóvar. Seria preciso um psicanalista para seguir as associações que, inconscientemente, me levaram a esta escolha].

O filme não me decepcionou - não a mim, que sou um "apaixonado crítico" pela psicanálise, que discuto ainda hoje com Freud e me interessei em certo momento por Jung. [Digo-o sem o menor pretensiosismo]. Não o recomendaria, porém, a leigos ou a desinteressados do tema, porque o centro do filme é, não só o tratamento daquela jovem histérica e masoquista, não só a relação erótica entre ela e o psiquiatra [Jung], com tão pesadas consequências, mas talvez também a própria teoria psicanalítica. E, portanto, ao longo de inúmeras conversas entre Freud e Jung, ou da correspondência entre os dois [vozes off], assistimos à formação e à discussão do método, às primeiras zangas e à ruptura entre o mestre e o discípulo predilecto, o rei e o delfim.

Do ponto de vista histórico, o filme é soberbo. Tem-se chamado a atenção para o rigor da caracterização de personagens e ambientes, ou a forma meticulosa como Cronenberg reconstitui uma época. Sem dúvida. Mas é um Cronenberg completamente inesperado: Jorge Leitão Ramos detecta a continuidade entre todos os filmes do realizador: seria sempre uma intimidade perturbada o que o preocupa, não «o que está na pele», mas «o que se oculta sob a pele (ainda que se manifeste fisicamente)». Não vejo continuidade. Vejo um filme sobre a história e a teoria psicanalíticas; vejo um filme sobre os limites éticos do amor e do erotismo; vejo um filme sobre a neurose e as diferentes perspectivas acerca de como lidar com ela. Se eu não soubesse, nunca adivinharia que se trata de um filme do mesmo realizador que fez A Mosca...

5 comentários:

  1. Fui ver o filme em ante-estreia no Estoril Film Festival, com a presença do Cronenberg. Depois daquela sensação geral que se espalhou pela audiência quando o filme terminou, uma sensação de incredulidade, surpresa e, principalmente, desilusão tremendas, o cineasta afirmou (na companhia do seu director de fotografia, de Paul Giamatti, que entrará no próximo filme de Cronenberg - Cosmopolis - de Sarah Gaynor, a actriz que faz de mulher do Jung, e do próprio Paulo Branco - organizador do festival e produtor desse mesmo Cosmopolis- cujo trailer as pessoas daquela sala foram as primeiras do mundo a visionar e que parecia mais promissor do que "Um Método Perigoso") que, quando fazia um filme, não se preocupava com os que fizera anteriormente. Quer isto dizer que, para ele, cada filme era um filme e que renegava, portanto, o conceito de autoria que marcava o conjunto da sua obra. Se isto foi uma desculpa para um filme falhado (porque é, evidentemente, um filme falhado - e assim é, não por ser um mau filme - pelo contrário, é um bom filme - mas por ser pouco ou nada "Cronenberguiano") ou se é o que o realizador realmente pensa, caberá a cada pessoa decidir. "A Dangerous Method" podia ser muito mais do que aquilo que é - até porque o tema do filme se presta totalmente a uma abordagem do cineasta. Parece-me, no entanto, que ele preferiu fazer um filme "bonitinho" do que a descida aos infernos que seria de esperar. E a questão não se coloca sequer à temática do que "se oculta sob a pele", porque tanto "A History of Violence" como o "Eastern Promises", os dois últimos filmes do cineasta sobre a violência interior que habita em cada um de nós, eram absolutas obras-primas. Destaco apenas a presença de Michael Fassbender, de Vincent Cassel (que já entrara em "Eastern Promises") e do actor (fetiche?) Viggo Mortensen como um Freud comedido e cínico. O que posso dizer mais? Recomendo o filme, pelo filme em si. Não o recomendo como obra de Cronenberg. É o seu filme menos interessante, só ficando à frente de Spider(2002), que era bastante mauzinho.

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  2. Já agora, em relação a estreias de cinema, aconselho o "Habemus Papam", do Nani Moretti (embora seja um filme menor do realizador), o "Ides of March" (mais um bom filme de George Clooney, depois do "Good Night and Good Luck", que prova ter mão segura na realização e peceber até mais desse ofício do que do da interpretação)o "Midnight in Paris" (também obra menor de Woody Allen mas com uma premissa interessante, boas interpretações e alguns momentos realmente engraçados - de qualquer forma, desde "Match Point" e "Cassandra's Dream" que os filmes de Allen têm sido simplesmente satisfatórios, sem nunca se chegarem a afirmar como "bons") e o "Sangue do Meu Sangue" (um bom filme, imperfeito mas bom, de João Canijo). Gostava imenso de ver o Fassbinder que estreou, o "World on a Wire", mas ainda não tive oportunidade. O Almodóvar toda a gente me disse que era péssimo (e os críticos parecem concordar). De qualquer forma, nunca fui fã desse realizador e não tenciono ver o filme. Outro que não tenciono ver é o "Melancholia", do Lars von Trier (um atrasado mental pretensioso). Não recomendo o "The Thing", o remake do clássico do Carpenter que, não sendo nada mau, é uma obra a meio gás, nunca se decidindo sobre o que quer ser e não acrescentando nada ao original. Fica também a seguinte nota: fui ver o "Fausto", do russo Sokurov (lembram-se do "Reading Book of Blockade?) ao Estoril Film Festival e posso dizer, francamente, que há muito tempo que não via um filme tão mau. É verdadeiramente uma merda pretensiosa que deve ter posto o Goethe a dar voltas no túmulo. Já viram o "Restless", do Gus Van Sant? Não tinha vontade de ver o filme, mas as críticas são bastante boas... se o tiverem visto, deixem aqui a vossa opinião.

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  3. Eu diria, José, que esse foi “um método perigoso” para decidires qual o filme a escolher.
    Primeiro porque embora não o refiras eu afirmei que gostava de ver os dois filmes. Só que, por motivos relacionados com a estreia eu achava (e acho) que existem mais probabilidades de o filme do Cronenberg se manter mais tempo em exibição.
    Depois porque (e talvez aqui surjam as tais “associações” que um psicanalista poderia decifrar) tinhas acabado de afirmar que irias apresentar proximamente um filme do Almodóvar que, aliás, afirmaste ser um dos teus realizadores de eleição.
    Por isso, mantendo-me coerente, vou tentar ver este sábado o último filme do Almodóvar. Embora não sendo “leigo ou desinteressado do tema” também pretendo ver o filme citado do David Cronenberg.
    Este parece-me ser o método menos perigoso para depois poder decidir qual, dos dois, foi o meu preferido. Ou talvez não…

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  4. Tens toda a razão, Francisco. Eu simplifiquei bastante a nossa troca de palavras, privilegiando o humor do post em detrimento do rigor na reprodução da conversa. Agora não sei quando terei oportunidade de tornar ao cinema. Quando fores ver o filme do Pedro Almodóvar [escrever-se-á assim?] diz-me que tal.

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  5. O Almodóvar é um dos meus realizadores de eleição. "Algum" Cronenberg é outro. Suponho que a escolha se deveu ao interesse que a psicanálise tem para mim. Histórica e teoricamente.

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