quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

2010

Espero que 2010 seja um ano de bons filmes (o que não será verdade, infelizmente)! Pelo menos, realizadores como John Carpenter e Terrence Malick marcam o regresso e só por isso valerá a pena.

John Carpenter's watching you!













Robert Rodríguez, Oliver Stone, David Cronenberg, Roman Polanski, Steven Soderbergh, Tim Burton, George A. Romero, irmãos Coen, Woody Allen, Clint Eastwood e muitos outros verão obras suas estrear no grande ecrã e por certo que surgirão por todo o mundo novos cineastas com muito para dar...

...eu, por exemplo!


















Não critiquem a foto, todo o grande artista precisa de um grande vício!














Já agora o parêntesis de que o programa da cinemateca de Janeiro é bastante bom e que será iniciado um ciclo de retrospectiva da carreira de "Bloody" Sam Peckinpah. Algo que não perderei!

The Wild Bunch, o mais famoso filme de Peckinpah














Um 2010 cinéfilo para todos!

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

A "ementa" de Natal.

Ao contrario do que seria de pensar, apesar do dia de hoje promover um ritmo de descanso e lazer, apesar do corpo convidar a permanecer umas boas horas extra na cama, acordei no meu horário habitual de trabalho. Que frustrante! Vira para a esquerda, vira para a direita: não dá. Irremediavelmente acordado dei por mim a pensar em como preencher o dia de hoje. O tradicional almoço com a familia, responder às mensagens de felicitaçoes dos amigos e, como cinéfilo, ver um bom filme ao fim do dia.
Se bem que as entradas para esta epoca festiva já vieram: nos ultimos fins-de-semana dei largas ao espirito consumista e lembrei-me de completar a minha selecção de filmes de David Lean com o épico Doctor Zhivago. A clássica personagem heroico-tragica explorada mais uma vez pelo cineasta Britanico num filme que talvez tenha sido uma entrada algo pesada mas que me abriu o apetite e me levou no fim de semana seguinte a outra produção de grande escala que foi Amadeus de Milos Forman.

Por esta altura cheguei ao prato principal, no qual tenho sempre espaço para um filme de Kubrick: a escolha recaiu em A laranja mecânica (imagem à direita). Sem nenhuma razão em especial. No entanto o ambiente neo-futurista que envolve esta narrativa controversa de critica social permaneceu no fim do filme pelo que, quando a oportunidade surgiu, resolvi começar a ver o que eu chamo a a minha trilogia futurista de Charlton Heston. Um conjunto de filmes que o já falecido actor protagonizou numa fase avançada da sua carreira e que têm em comum o facto de a acção se desenrolar num futuro pós-apócalitico onde a sociedade regrediu, tecnológica e socialmente, num ambiente quase barroco. Assim as minhas ultimas noites foram passadas a ver o angustiante Planet of the apes, o antecessor de I am legend (intitulado The omega man) e o canibalesco Soylent Green.
Enfim, de "barriga cheia", mas com espaço para a "sobremesa e para o café". Enquanto escrevo estas linhas estou já a ponderar as varias hipóteses para logo: o habitual filme de natal, com todos os clichés e o tradicional Happy end? Ou talvez um bom puzzle mental, digamos algo de David Lynch?
A vontade logo dirá.

Despeço-me com votos de FELIZ NATAL a todos os meus amigos cinéfilos.

sábado, 19 de dezembro de 2009

APOCALYPSE NOW 30 ANOS DEPOIS

A discussão é sempre essencial. Mesmo quando se torna amarga ou triste - e diria, até, mesmo quando nos soa como uma conversa de surdos: em última análise, parecendo que cada uma das pessoas não se ouviu senão a si mesma, é bem possível que as palavras do outro tenham penetrado por uma porta subterrânea e permaneçam em nós, fazendo o seu lento e secreto trabalho, mudando ideias que estavam aparentemente consolidadas, mudando-nos.

Não imaginam as vezes que, no Clube de Cinema - ou nos projectos associados ao clube, como por exemplo este blogue -, as discussões me levaram a repensar o que tinha por assente. E, muitas vezes, a alterar o ponto de vista. Ainda bem.

Assim, de caras, recordo alguns exemplos: 1) quando referi Yul Brynner ou Leonardo DiCaprio como exemplos acabados de actores-canastrões, e me fizeram lembrar que, em The king and I, o primeiro tinha sido extraordinário e, em Revolutionary Road, o segundo representava, com invulgar brilho, um jovem marido-e-pai de uma família suburbana com demasiadas aspirações e expectativas da vida; 2) ou quando JC nos convidou a ver o 2001: Odisseia no espaço, obrigando-me (atacado de todos os lados simultaneamente), a tentar compreender e explicar por que razão gostara tanto daquele filme! Continuo a gostar muito de 2001, talvez goste agora ainda mais, mas certamente não me foi indiferente que a maioria do clube me tenha forçado a este exercício de perceber e fundamentar, perante mim próprio e perante os outros, tal gosto, digamos para simplificar, "elitista" e difícil.

Com Apocalypse Now, aconteceu uma experiência similar.
Trata-se de um filme que me interessou muito em 1979 ou 80. Mas, para mim, não ultrapassou, então, uma história de guerra, como outras, embora com grande força.
Apresentado, agora, no anfiteatro, por Ana Páscoa; revisto com uma outra maturidade e uma outra atenção; discutido, a seguir, com os presentes, Apocalypse Now foi um filme completamente novo que, de certa forma, eu nunca vira. Compreender, por exemplo, quem é Kurtz, o que o move a partir do mais fundo da sua personalidade estilhaçada, que nunca nos é inteiramente oferecida, ficando sempre dependente das interpretações que queiramos fazer ou das lógicas que lhe queiramos impor - logo a ele, cuja lógica própria tem tão pouco que ver com as "lógicas" que nós frequentamos -, ou por que razão aquela violência em estado quimicamente puro nos hipnotiza, ou que fantasmas e medos nossos acordamos em face deste filme, levam-me a sentir que, no cinema, para mim, nada está ou estará concluído ou esgotado. Nem sequer os filmes que já vi, e julgava ter definitivamente catalogado. Tudo se metamorfoseia e refaz. Tudo é outra coisa, porque me apontam um pormenor que me escapara, porque me propõem uma interpretação que eu não fizera, porque me levantam dúvidas, porque me levantam ligações, porque me levantam discordâncias.

O Clube tem-me, literalmente, educado para o cinema.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

A marca da criatividade!

Ora bem não, eis-me de regresso ao blog do clube de cinema! Desculpas à parte _ as do habitual claro está: pouco tempo, muito trabalho, ou talvez aquela que está mais próxima da realidade que é a vontade de escrever! E esta ultima vem muito a propósito. Porquê? Porque ao escrever um comentário original estamos a criar algo. Sim, porque não?! É um acto de criação, no qual o autor partilha algo intimo de si próprio com os leitores. É um momento único e sublime que flui de forma diferente de pessoa para pessoa, ou para utilizar uma expressão popular, o acto de criação em si pode ser tão fácil e espontâneo como respirar para uns, ou tão difícil como arrancar um dente para outros".

Surgiu-me este pequeno exercício de comparação (algo exacerbado, poderão os caros bloggistas pensar) ao matar a curiosidade sobre as ultimas noticias do clube de cinema, concretamente o mais recente ciclo dedicado à criatividade. Talvez espevitado por esse tema, curiosamente a minha mente foi buscar os melhores momentos de um filme que gosto bastante e tem como personagem central um dos maiores génios criadores da musica clássica, Wolfgang Mozart. O filme em causa é Amadeus, de 1984.

Já há algum tempo tinha tomado conhecimento que o filme partia de uma peça teatral do mesmo nome e que, à parte das liberdades artísticas que sempre envolvem qualquer adaptação cinematográfica, os argumentistas aproveitaram a premissa da peça teatral, concretamente a forma original como a história é construída. Aquilo que habitualmente serviria de pretexto para duas ou mais horas de exposição gráfica e aleatória de elementos biográficos de um individuo, foi aqui construído de forma diferente, pois a história é contada na segunda pessoa, neste caso a de outro compositor ( F. Murray Abraham, no papel de António Salieri) contemporâneo de Mozart. É a luta pessoal de Salieri com as suas convicções religiosas e a sua devoção pessoal que estão no centro da história. A associação de Mozart à perfeição criativa e divina está implícita na narração de Salieri.

Muitos críticos acusam este filme, por um lado devido à forma negativista com que António Saliéri é representado, por outro pela falta de veracidade histórica em relação aos eventos e à descrição do próprio Mozart. O facto de que a história em si constitui uma interpretação dos factos por outra personagem dentro da narrativa é bastante pertinente, pois ao fim e ao cabo, o Mozart que vemos no grande ecrã é fruto das memórias e dos sentimentos ambíguos de ódio/veneração de Salieri, e não uma aspiração a registo histórico intocável!

Talvez, no fim de tantas palavras que já escrevi, o tema central da história esteja mais relacionado com o inicio do meu comentário. No fundo é a luta criativa que está patente no filme. O tal rasgo criativo que pode ser tão difícil, ou tão genialmente fácil de alcançar!

Uma ultima nota para a banda sonora do filme, composta à mais de duzentos anos atrás! Um exemplo da tal marca de criatividade (?) …



terça-feira, 8 de dezembro de 2009

E agora algo completamente desinteressante

No outro dia, sem saber precisar quando, (re)vi o filme From Dusk Till Dawn (1996), uma daquelas obras que rapidamente ascendem a obras de culto, por serem tão "bacanas". O filme é do realizador Robert Rodríguez, que assinou títulos como a Trilogia Mariachi, a Faculdade, Roadracers, a Trilogia Spy Kids, o genial, genial, genial Planet Terror e um dos segmentos do filme Four Rooms (o terceiro e, na minha humilde opinião, o Melhor). Para o ano estreará o filme Machete, sobre o qual já escrevi um post, numa passado longínquo. Ora, o que é tão desinteressante não é a filmografia do realizador (por outro lado!), mas sim o facto de um dos actores ser Fred Williamson, um tipo que eu não me lembrava de ter visto em qualquer outro sítio, nem julgaria que iria voltar a ver. É um actor afro-americano a que chamaram Fred "The Hammer" Williamson.




















Robert Rodríguez













Com Tarantino
















Trailer do Filme (o Fred Williamson é o é o gigante negro com ar fixe, não há que enganar)



Só por gozo, deixo aqui um vídeo com uma das cenas do filme (em que o Tarantino -um dos actores - vê o seu fetiche por pés femininos deliciosamente satisfeito - antes de ser mordido no pescoço)



Surpresa das surpresas, dois dias depois vejo o filme Inglorious Bastards (o primeiro, de 1978, cujo título está bem-escrito. Lembremo-nos que Tarantino chamou ao seu filme Inglourious Basterds, the Tarantino way of spelling it, como ele próprio disse). E o protagonista é, nem mais nem menos, Fred Williamson, um prisioneiro afro-americano (detido na prisão militar por algum crime que nunca descobrimos) que escapa para as linhas nazis com uma série de capangas e se vê embrulhado num bolo de alemães, americanos e partisans franceses. Pelo caminho, ele e os outros bastardos têm de capturar um comboio blindado (que dá o nome ao filme na versão italiana - por que o filme é uma produção italiana e o realizador, Enzo G. Castelari é italiano - Quel Maledetto Treno Blindato!). Em suma, um filme italo-americano de (quase black) exploitation com dez mil alemães mortos no espaço de 90 minutos! O que é curioso nisto tudo é que o From Dusk Till Dawn tenha sido escrito pelo Tarantino (que é o melhor amigo de Robert Rodríguez e que no fundo não deixe de ser um trabalho de parceria entre os dois realizadores) e, assim, quando o Fred Williamson é convidado a entrar no filme, percebemos já o interesse do nosso amigo Quentin no actor e, sem dúvida, no seu filme mais famoso, o Inglorious Bastards. 13 anos depois, temos o reflexo desse mesmo interesse: o Inglourious Basterds.

Ahahaha!















Versão Americana (esqueçam as frases alemãs)


















Versão Italiana

















Inglorious Bastards Trailer



Terminado o filme, fez-se luz. Atão não é que na semana anterior tinha (re)visto o filme Mash (1970, a sátira à guerra do Robert Altman que deu origem à famosa série), e o Fred Williamson interpretava o papel de um dos cirurgiões! Um actor que eu nem sabia que existia e, de repente, numa questão de uma semana vejo três filmes com ele! Fred Williamson! Fred Williamson! Fred Williamson!



































MASH Trailer



(Já agora fica a nota de que o Robert Duvall faz aqui um papel de cirurgião religioso, quase inofensivo, e que 9 anos mais tarde entra no Apocalypse Now e interpreta um oficial Americano sanguinário com chapéu à cowboy e que só pensa em fazer surf enquanto os seus homens estão a ser mortos - ambos papéis de sátira à guerra).

"We're gonna take this beach 'cause Charlie don't surf!")















Sobre Fred Williamson, um jornalista Americano disse: "Se alguma vez encontrarmos uma garrafa suficientemente grande para pôr o seu ego, precisaremos de um pinheiro como rolha". A sua imagem de marca, a fumar um grande charuto com ar relaxado, é exemplo disso mesmo.

















De facto, que coisa tão desinteressante.

domingo, 6 de dezembro de 2009

O QUE ANDA NO AR

Às vezes, não nos apetece «blogar». É natural: ou andamos com outros interesses, ou há testes que nos ameaçam e para os quais devemos estudar, ou se é pai de uma criança que nos não deixa dormir.
Mas é pena que o afastamento em relação ao blogue se dê, durante um certo período, simultaneamente com todos os seus escritores.

Entrementes, há coisas que convém assinalar.
O clube está empenhado até à ponta dos cabelos nas próximas comemorações dos 30 anos da escola:

1. O livro está em marcha. E, tal como o antecipo, vai ficar bonito, com a colaboração de uma quantidade de gente que, no meio de todos os seus afazeres, não se escusaram a colaborar.

2. Palpita-me que a sessão do dia 16 será memorável. Com um grande filme - para mais, tão típico da época em que a escola nasceu, 1979 -, escolhido e apresentado pela professora Ana Páscoa, essa será também a ocasião ideal para o lançamento do livro. Contamos com a presença de muitos dos mais de 30 colaboradores, o que fará uma sala cheia...

3. O museu do cinema está quase a abrir as portas. Importante será que comecemos a trazer os materiais a expor. Não convém deixar tudo para o último minuto.

E é isto. Entretanto, vamo-nos vendo por aí.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

ACERCA DE A TURMA


Enquanto alunos há que já viram cinco, seis, sete vezes o filme A Turma, no circuito comercial, na televisão e na escola, eu só o conhecia de mo recomendarem insistentemente.
Vi-o ontem convosco e, no meu caso, pois, pela primeira vez.

Concordo com as palavras da Maria, a proponente, quando, na apresentação, lhe chamava um filme «sensível e poderoso».
Sensível, é claro, porque a sua matéria, muito mais do que a escola hoje, é o grupo, «a turma»: mostrando as diferenças entre os seus elementos, por um lado e, por outro, entre estes e tudo o que os rodeia, culturalmente mas não só; e mostrando o modo como os problemas de cada um se manifestam, e são compreendidos ou não, integrados ou não mas, de uma forma ou de outra, acabam por se tornar parte do rosto colectivo.

Não sei se fui totalmente entendido quando, no debate, afirmava que, apesar do seu poder - de nos comover e fazer pensar, quanto mais não fosse - este filme é parcial. Disse mais. Disse que era um filme «manipulador», e hoje não o diria. A verdade é que se entrechocam ali diversas consciências (a dos alunos, a dos encarregados de educação, a do director, a de quem ensina), mas, verdadeiramente, só numa dessas consciências o espectador consegue entrar: a do professor; entrar, e de que maneira. Sentimos que navegamos no seu interior, compreendemos as hesitações, os dilemas, os remorsos que permanentemente o assaltam.

Ou seja, aquela realidade é a realidade segundo o professor - um professor, como se lembrava, que não tem soluções no bolso, e se encontra num permanente frente-a-frente consigo mesmo -; aquela realidade é, mais do que a «realidade» pura e simples, uma «interpretação» desta, feita a partir da experiência docente, interrogando-se continuamente sobre os seus limites e falhas, sobre a sua impotência e complexidade. Parece-me indesmentível que um aluno ou um pai teriam realizado aquele filme de outra maneira.

As ligações - para continuar a ideia que, no texto anterior, o Francisco usava como título - permanecem. Estão por todo o lado. São ligações entre diferentes filmes que vimos, porque, como lembrava o Eça, os realizadores são influenciados por outros realizadores; entre sensibilidades e experiências diferentes. As de cada uma das personagens - os alunos de raças e culturas diferentes, os profes, que nem sempre concordam uns com os outros, os encarregados de educação, com os seus preconceitos mas, também eles, vítimas dos preconceitos dos outros, e as suas expectativas ou críticas ao sistema, e as dos próprios espectadores que nós fomos, oscilando entre visões aparentemente incompatíveis, mas tentando mutuamente compreender-se. A culpa é do sistema? A culpa é de imigrantes que se não adaptam e tornam focos de problemas? A culpa é dos políticos? Há, ao menos, «culpa», ou o termo dá mal conta desta gestão complexa de diferenças e incompreensões mútuas?

Tal como aquele professor - e outros com que nos temos confrontado, em filmes que já vimos - também eu confesso que nem sempre estou muito certo da minha razão, das minhas decisões, das minhas estratégias. Nem sempre sei o que é ser um bom professor.

Não tenho uma chave, e o filme não fornece chaves. (Tal como Elephant: outra ligação). O fim, aliás, parece querer esquecer o inesquecível: houve um aluno que o sistema não conseguiu converter, que o professor não conseguiu interessar, que não se permitiu que se corrigisse, ou adaptasse, ou evoluísse. É dessas falhas que uma escola, qualquer escola se faz.

Admirável. Tudo: o filme, as ligações, a discussão. A falta de chaves - e uma procura constante e colectiva de chaves que, provisoriamente, possam ir abrindo algumas portas...

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Isto, anda tudo ligado...

Chegou a hora de fazer o balanço dos filmes que iniciaram (e terminaram?) o ciclo “Educação e Sociedade”. No dia 4 de Novembro o jornalista Carlos Vaz Marques deu-nos o prazer de ouvir a sua proposta de debate com o filme “Elephant” de Gus Van Sant.

Explicou-nos a parábola budista sobre um grupo de cegos que examinam várias partes de um elefante. “Todos eles conseguem descrever a parte que lhes cabe, mas ninguém tem a percepção do todo”.



Na semana seguinte, 11 de Novembro, o João d’Eça apresentou-nos “Sementes de Violência” de Richard Brooks. Aqui “assistimos a um professor que luta, e luta no sentido literal, para dominar uma turma de delinquentes juvenis, que insistem num comportamento anti-social”, como nos referia o João no folheto do Clube.

Curiosamente numa passagem deste filme de 1955 um professor fazia referência também à parábola budista do elefante. Talvez tentando provar, mais uma vez, que as ligações podem existir onde menos se espera…




Hoje, 18 de Novembro, é-nos proposto pela Maria Carlos Nunes uma outra visão da Escola com o filme “A Turma” de Laurent Cantet. Ela escreve que “é um filme sensível e poderoso que nos permite estar, tanto no papel de docente como no de aluno ou mesmo no papel de mero espectador, observador de um espectáculo que nos é tão próximo e familiar. Já por isso valeria a pena ver A Turma”.



Já agora ficam a saber que tal como “Elephant” este filme tem como personagens actores estudantes cujo nome coincide (na sua maioria) com o da vida real.

Mais ligações?…

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

ELEPHANT E OS CEGOS

Acabo de entrar em casa, as mãos mal conseguindo abraçar a pasta, a filha ainda adoentada, o filho amparando-se, também doente, ao meu ombro, um saco plástico com a comida que sobrou do almoço deles.
Pormenores hiper-realistas à parte, o que interessa contar é que vou ter de a aconchegar na cama, porque adormeceu, e de o ajudar a ele a pôr-se confortável, mas sem esconder que estou ansioso por me sentar ao computador: apetece-me, e imediatamente, porque ainda trago tudo muito vivo no espírito, principiar a escrever um texto - este texto - acerca da sessão de cinema de onde venho.

Gostei de conhecer Carlos Vaz Marques, o convidado: cala-me sempre fundo encontrar mais uma dessas pessoas admiráveis que, no interior de uma agenda preenchidíssima, encontram sempre tempo e disposição para aceitar um convite simples, de um clube escolar.

E valeu a pena ter visto o filme de Gus van Sant, Elephant, que não conhecia e me surpreendeu pelo tipo de abordagem de um assassínio em massa praticado por dois jovens.

O mais brutal dos acontecimentos, e o mais emotivo, é visto, paradoxalmente, através de um olhar despido de emoção, como se fosse um robot ou um extra-terrestre a observar as situações, curiosa mas friamente.

As cenas mais corriqueiras são demoradamente perscrutadas por esse olhar, o qual não criaafinidade com nada ou ninguém: nenhuma empatia permite que nos identifiquemos com as personagens. Ou, sequer, que cheguemos a odiar os maus. E se essa ausência de filtro nos perturba, ela vem instalar uma certa banalidade (mas, mais ainda do que essa banalidade tantas vezes referida, estabelece um vazio do afecto, de afectos).

Tudo parece gratuito - e, afinal, nada é gratuito; há sentidos que nos escapam, enigmáticos ou, como lembrava Carlos V. Marques, intuídos em alguns sinais, como pontas soltas, indícios que não se chegam a completar, meras possibilidades que o realizador não fecha nem esgota.

O debate que se seguiu, vivíssimo, foi dos mais interessantes a que o clube já assistiu: diria que Sicko e Elephant foram, este ano lectivo, desse ponto de vista, dos filmes mais provocadores e estimulantes.

Também no debate nada foi gratuito, e tudo serviu para o tornar um momento riquíssimo de conversa, partilha e discussão: que o Eça não tivesse apreciado o filme e o considerasse pretensioso, que a Luísa, amiga de há muito do Carlos, conseguisse fazer a ginástica que fez para o reencontrar, que Elisa, ex-professora do nosso convidado, tivesse saído mais cedo do Pedagógico para o outro grande reencontro da tarde, que um grupo não suportasse mais tempo o filme e abandonasse a sala a meio, que os gostos fossem diferentes, que as perspectivas fossem múltiplas - à imagem do próprio elefante que seria diferentemente percepcionado e descrito por cada um dos cegos à volta dele.

Nós fomos os cegos diante de Elephant. E a verdade é que, de ângulos diferentes, segundo diferentes gostos, compusemos um possível puzzle.

Nós fomos os cegos, e vimos muito bem.

Obrigado, Carlos, e até breve.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

O Clube de Cinema convida o jornalista Carlos Vaz Marques

"O filme que vos proponho para a sessão da próxima quarta-feira é o «Elephant», de Gus Van Sant.



É um filme «sobre» a escola e passa-se em ambiente escolar.
Escolho-o por ser um filme de que gosto muitíssimo, por ter múltiplas abordagens possíveis, por levantar uma questão pertinente e por ser esteticamente notável.
Permite-nos falar do tema e da linguagem em que ele é tratado.
Não é um filme fácil, segundo nenhum ponto de vista, mas creio que é um filme que oferece extraordinárias recompensas a quem tiver disponibilidade para ele."

Carlos Vaz Marques

O filme passa às 14h30 do dia 04 de Novembro, no Anfiteatro, e terá a presença do jornalista convidado para o debate.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Sobre dois filmes que vi no fim-de-semana passado

No passado fim-de-semana vi dois filmes completamente diferentes, mas ambos brilhantes. Na sexta, fui ver o novo filme de João Pedro Rodrigues, MORRER COMO UM HOMEM, que estreou em festivais tão diversos como Cannes ou o Queer Lisboa 09, e que se afirma como um dos mais inteligentes realizadores portugueses, cujas metragens têm sido aclamadas em toda a europa. No sábado, tive a sorte de arranjar convites para a sessão de encerramento do doclisboa, onde assisti à ante-estreia do filme CAPITALISM: A LOVE STORY, de Michael Moore, que me parece dispensar apresentação. Para os mais esquecidos, é o polémico realizador do filme Sicko, apresentado pelo André Jorge há duas semanas no clube de cinema.

Sobre o MORRER COMO UM HOMEM:
Tonia (nome artístico de António) é um travesti que fez um implante mamário e que é um dos favoritos das noites de Lisboa. Os seus tempos de glória já passaram, e não quer admitir que mais tarde ou mais cedo se terá de reformar.












Vive com um homem muito mais novo, um rapaz quase, a quem impede de continuar nas drogas. Tem um filho, zé maria, homossexual como o pai, mas que se reprime a si mesmo. Por causa disso, rejeita o pai, mas é igual a ele. Na sequência inicial do filme, zé maria faz treinos nocturnos no exército. Ele camufla-se para o treino, mas ao espectador parecen-nos antes que ele se pinta, como uma mulher, as folhas na cabeça parecem os chapéus exóticos da Carmen Miranda. Então, ele e um companheiro despistam os outros soldados e fazem amor nos bosques. Aproximam-se de uma casa onde vêm dois travestis a cantar. Após um comentário infeliz sobre o pai de zé maria, este último mata o namorado com um tiro de metralhadora.













Começa o genérico, que é entrecortado com cenas de um médico a explicar detalhadamente uma operação de mudança de sexo. Após exemplificar, diz: "Como vê, nada se perde, tudo se transforma!" Tonia quer mudar de sexo, mas as suas crenças religiosas e o seu medo vão adiando a decisão. O seu namorado diz: "vais ser sempre assim?, nem uma coisa nem outra?"














O filho assassino refugia-se em sua casa. O namorado desaparece, rouba-lhe coisas e compra heroína. Zanga-se com a melhor amiga por causa de uma madeixa de cabelo, que afinal havia sido roubada pela sua cadela, Agustina. Discute com o dono do bar travesti onde dança e com a outra dançarina, que quer o seu lugar. Várias vezes, as personagens vão parar ao cemitério, e percebemos que estão ligadas à morte e que terão um destino funesto.





















A sua vida caótica alcança apenas um momento de paz, quando se perde com o namorado nos bosques e vão parar à casa dos dois travestis do início. Aí começa um episódio onírico, o único momento de absoluta tranquilidade e paz. Quando Tonia regressa a Lisboa, descobre que o seu corpo rejeitou a silicone dos implantes mamários e que tem o corpo todo infectado. É operada e retiram-lhe o peito. Pressentindo a morte, decide morrer como um homem. É enterrado vestido como um homem, e é o seu nome masculino que aparece no túmulo. O seu namorado, enquanto Tonia estava no hospital, voltara para as drogas, e acabara por morrer. São enterrados juntos. A câmara filma Tonia a cantar. É uma história trágica, bela, com momentos terrivelmente engraçados. Citando agora alguns críticos: "10 minutos deste filme têm mais ideias e vontade de correr riscos do que em 90% do cinema actual". É verdade. E o resultado é espantoso. João Pedro Rodrigues é uma aposta no cinema português, que todos deveríamos tomar.











Se os espanhóis fizeram isso com o Almodóvar, um cineasta bastante inferior, porque não conseguimos nós?












EM CANNES




Sobre CAPITALISM A LOVE STORY:
É provavelmente o melhor filme de Michael Moore, embora seja difícil escolher dentre as suas obras. Sicko era o meu preferido dos anteriores, por lidar de forma exemplar com um tema à partida difícil e aborrecido. Mas este novo filme supera as expectativas, pela forma como Moore nos consegue explicar os progressos do capitalismo no EUA, que acaba por derrotar a Democracia. Um fulano afirma no filme: "O Capitalismo é tudo. Sinceramente, nem sequer concordo com a Democracia. Há pasíses democráticos que são pobres. Mas o Capitalismo é o regime perfeito." Só mesmo um americano para dizer isto! Moore viaja pelos EUA e vai até Wall Street, onde tenta prender os banqueiros. Fala sobre a crise, sobre a esperança que Obama despertou em todos (apesar de mostrar como os banqueiros, farmacêuticos e outros financiaram a sua campanha, tentando suborná-lo - vamos lá ver se conseguiram ou não...) e volta a usar os países da europa como modelo.












Tenta expor o melhor possível as consequências do capitalismo: famílias enganadas pelos bancos e que são expulsas das suas casas; empresas que fazem seguros de vida aos seus empregados (quando muitas vezes estes nêm os têm) e quando eles morrem, lucram milhões com isso; pilotos de aviões que recebem menos do que empregados do mcdonald's; bancos que controlam o ministério das finanças; trabalhadores que são despedidos quando foram os patrões que investiram mal o dinheiro... Conta-nos como foi usado o dinheiro que o congresso entregou aos bancos durante a crise: em aviões particulares e outros luxos. Nem um centavo para os desempregados. Mas é com esperança que nos mostra como o espírito tacanho dos americanos se vem modificando, e entrevista alguns grevistas que tomaram uma fábrica e se fecharam lá durante dias, para que não fossem despedidos. Fala-nos de uma empresa única em que todos são patrões, todos recebem o mesmo, todos têm uma palavra a dizer sobre os investimentos. "Quase que parece comunismo!" Mas os lucros são divididos por todos, todos prosperam e a empresa, ao contrário de milhares em todo o mundo e nos EUA, não faliu. Por outro lado, lucrou imenso.

















E, claro, Michael Moore brinca com a situação, ou às vezes, comove-nos com as misérias dos outros. E não podemos esquecer de algo que é mencionado quase no final. Antes de morrer, em 1945, o então presidente Franklin Roosevelt tinha intenções de proclamar uma declaração dos direitos humanos em que, entre muitas outras coisas, se nacionalizaria o sistema de saúde e em que o estado teria maior controle da economia. Então, porque é que isso não chegou a concretizar-se? A mensagem de Michael Moore é de que ainda vamos a tempo. E dá o exemplo ao cercar um banco com uma fita em que está escrito: Crime Scene!













Em resumo, foi um fim-de-semana cinéfilo muito bem-passado!

Ontem, vivi um dia aparentemente normal…

De manhã, às 7h, o meu filhote pequeno (implacável) lembrou-me que uma criança de 2 anos não conhece ainda os prazeres de um sono matinal.

Às 9h, liberto das minhas funções parentais, decidi terminar o folheto do Clube de Cinema (CC) escolhendo os melhores textos que possam servir de suporte para as nossas sempre interessantes conversas no final do filme.

Às 11h comecei a preparar as minhas “tralhas” de professor: este ano tenho 7 turmas, algo que me traz a possibilidade de conviver e conhecer mais 150 jovens alunos.

Das 12h às 13h30 tentei explicar aos 24alunos do 8º D as vantagens que existem em conseguir manter um mínimo de silêncio e concentração.

Às 13h31 recebi o telefonema do meu amigo José Pacheco avisando-me que hoje (pela 1ª vez) não poderia estar presente na sessão por motivos relacionados também com as suas funções de pai. Depois empresto-lhe o filme.

Das 13h45 às 14h30 fui almoçar e de seguida fazer as cópias dos folhetos do Clube sempre com a eterna dúvida se vou reproduzir 20? 10? ou 30? consoante os cinéfilos presentes na sessão. Optei por 21.

Às 14h30 fui ver (pela 3ª vez) o documentário “A Marcha dos Pinguins” e ter a boa surpresa de encontrar mais um novo aluno no CC.

Após o filme: a conversa. Afinal este é o momento mais importante do CC. Percebeu-se que a maioria já tinha visto o filme e que numa segunda visão (ou 3ª) identificou aspectos que lhe tinham passado despercebidos. Eu retenho uma cena do filme que me tocou especialmente: aquela em que os pinguins machos (alojando cada um os seus ovos) decidem encostar-se uns aos outros em perfeita SOLIDARIEDADE para assim poderem resistir melhor ao frio. Mesmo aqueles que entretanto terão perdido irremediavelmente o seu ovo. E lembrei-me de agradecer aos alunos que já tendo visto o filme decidiram aparecer na sessão e permitir assim dar continuidade ao lema do NOSSO CLUBE – “Gostos Discutem-se”.


À s 17h30 estive presente numa demorada e acalorada reunião intercalar que se prolongou por duas infindáveis horas.

Às 19h30, depois de receber uma oportuna boleia para Carnaxide, voltei às minhas lides de pai (o meu novo “ovo”) partilhando um inesperado banho com o meu filhote.

Às 21h30, depois do Ricardo começar a dormir decidi ainda encetar uma última viagem até à Biblioteca de Oeiras e esperar que a entrevista que o jornalista Carlos Vaz Marques encetou com o pintor Júlio Pomar terminasse. No final confirmei, finalmente, a sua visita à ESLAV no dia 4 de Novembro para apresentar um filme ainda em fase de escolha.

À meia-noite cheguei a casa contente por ter vivido mais um dia aparentemente normal…
Ah é verdade, já me esquecia.

Na sessão estiveram presentes a Mariana Amor (10º E), o João Mendes (10º E), a Sara Pestana (8º A), a Maria Nunes (12º B), a Mónica Pinheiro (12º F), o André Jorge (11º E), o Andri Korolivskyi (8º C), o Diogo Nogueira (11º C) e o Gustavo Barradas (9º D).

A todos eles, obrigado pela vossa presença.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Balanço do 1º Mês

O nosso amigo cinéfilo João Camacho pergunta-nos sobre os temas escolhidos desde o início do ano lectivo. E eu que tenho andado arredado deste espaço (mas acompanhando tudo o que se escreve por aqui) decidi, também, desta vez, dar a minha contribuição para o blogue.

Depois de um final de ano lectivo em que nos “restaram” tão poucas quartas- feiras para permitir que os membros do Clube de Cinema pudessem bisar as suas propostas, o André Vieira, em 23 de Setembro, apresentou o “Cinema Paraíso” de Giuseppe Tornatore. Como ele referia no folheto “um filme inesquecível”, com uma antológica sequência final de “beijos perdidos” acompanhada de um tema musical (de Ennio Morricone) que nos inspirou, dando início ao Ciclo “Música e Cinema”.




Na semana seguinte, 30 de Setembro, ao adiar uma proposta de passar o filme “O Fabuloso Destino de Amélie”, surge o “Diário de Che Guevara” de Walter Sales apresentado pela minha pessoa. A ligação ao tema do Ciclo era feita através da música de Gustavo Santaolalla

e do bonito tema musical, interpretado por Jorge Drexler, (vem no dia 28 de Outubro ao Cinema S. Jorge) “Al Otro Lado del Rio”.



No mês em que se comemorou o Dia Mundial da Música encerrámos o ciclo em 7 de Outubro com “West Side Story – Amor Sem Barreiras” de Jerome Robbins e Robert Wise. O Guilherme Santos, responsável por esta proposta, referia no folheto: “as elaboradas coreografias, as magníficas músicas de Bernstein e Sondheim como “Maria” ou “Living in America”, a realização soberba, as memoráveis interpretações e o final emocionante são algumas das razões que me levaram a escolher este filme”.



No dia 14 de Outubro iniciámos o Ciclo “Documentários”. O André Jorge apresentou-nos o filme “Sicko” de Michael Moore e revelava-nos ser um documentário “bem constituído do ponto de vista informativo sobre o sistema de saúde norte-americano”.


A conversa que se seguiu a esta projecção irá ficar como uma das mais estimulantes do nosso Clube.

No dia 21 de Outubro voltámos a sair da ESLAV para, desta vez, ir ao “DocLisboa”. Continuando o ciclo, vimos 3 documentários associados aos Ateliês Varan (Paris). No final conversámos com uma das responsáveis dos ateliês e destacámos a intensidade do último filme: "Romani Bakht" de Bielka Mijoin ( ver hiperligação) sobre o dia-a-dia duma família cigana tentando sobreviver nas ruas de Montreuil.

Ah é verdade, voltámos a visitar a “Cinemateca de Lisboa” e prometemos a nós próprios que a próxima saída terá que contemplar este “espaço mágico”…

domingo, 18 de outubro de 2009

AMERICANOS NA EUROPA, EUROPEUS NA AMÉRICA

Na sequência do norte-americaníssimo filme de Michael Moore, gostaria de partilhar convosco uma conversa interessante que tive com o meu «primo da América».

Segundo esse primo - que está sempre de passagem e, portanto, nunca poderia visitar-nos ao clube de cinema, embora gostasse muito -, há dois filmes que insiste em rever e que, devido à sua qualidade de homem educado numa dupla realidade cultural, o comovem sempre: entende-os como filmes que representam, um deles, a visão de um americano sobre a Europa e sobre os europeus; O outro, a visão que, da América e dos americanos, tem um europeu.


O primeiro, é Barry Lindon, de Stanley Kubrick: e, porventura, nessa história sobre um aventureiro irlandês, em que são importantes as peripécias, os sentimentos e as relações mas também os pormenores geográficos, os magníficos verdes e castanhos da paisagem céltica, autêntica pintura, acabamos percebendo mais sobre os próprios americanos do que sobre os europeus, isto é, aprendemos mais, neste caso, sobre quem olha (o que interessa a esse olhar, o que o sensibilizou), do que sobre o objecto olhado.



O segundo é Paris,Texas, de Wim Wenders: e contudo, não só a nível da psicologia, mas da grandeza física que tudo envolve, as estradas longas, como se não tivessem fim, os comboios compridíssimos, que nunca cessam de passar, a extensão a perder de vista dos desertos -, acerca da América do Norte, talvez também aqui aprendamos mais sobre o modo como ela toca e afecta um europeu, do que sobre o que ela realmente é.





Fiquei curioso de tornar a ver estes filmes - que nunca amei especialmente - sob esta perspectiva que nunca me ocorrera. Por outro lado, aqui está mais um exemplo daquilo para que um ciclo pode servir: cruzar diferentes olhares, fazer interagir diversas perspectivas que, fora dessa junção, seriam sempre vistas separada e isoladamente...

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

MAIS UM REGRESSO AO BLOGUE


Embora não tivesse desistido de frequentar este blogue
- sustentado, nos últimos tempos, e de forma brilhante aliás, quase em exclusivo pelo Eça -, tenho-o feito principalmente como leitor e, às vezes, como comentador.

Mas senti saudades de postar.

Julguei que esta última sessão do clube de cinema, onde vimos e discutimos o Sicko, de Michael Moore, seria uma excelente oportunidade para um regresso.
Escrevi, portanto, um texto, adicionei imagens e, bolas!, querem crer que me esqueci de o gravar? Perdi tudo! Um texto perfeito! (Essa é, de resto, a única justificação para este meu texto pobre e imperfeitíssimo: trata-se de uma pálida cópia, de memória, do maravilhoso post que desapareceu...)

Para que não haja equívocos (I): estou a ser irónico, hein?

Para que não haja equívocos (II): estou a ser irónico relativamente à perfeição do post primitivo, não em relação à pobreza e imperfeição deste post, hein?

Posto isto, o que quero sublinhar, antes de mais, é que saí dessa sessão de papo cheio. Comentava-o hoje de manhã com o Francisco: há muito tempo que um debate não era tão vibrante e mobilizador, com tantas e tão diversificadas opiniões, ideias, gostos, com tantas histórias narradas a propósito. Teria ficado, com um prazer imenso, mais uma hora, mais um dia, mais uma semana ininterrupta convosco, a discutir e a conversar...

O segundo ponto diz respeito ao próprio filme. Já há muito venho ouvindo falar sobre Moore como se ele mais não fosse do que um genial manipulador, um sofista puro. Ora não vi manipulação nem demagogia. (A não ser pontualmente, bem entendido). Vi, isso sim, uma retórica: Moore tem uma tese, e argumenta. Este documentário falha, se estamos à espera de um filme «objectivo». Isso, de facto, não é: Sicko constrói-se, através das imagens, como um autêntico exercício de argumentação.

Concretamente, da sua argumentação fazem parte a denúncia e a provocação. Como já Sócrates tinha por método, também Moore não precisa de provar o seu ponto de vista: deixa que sejam os adversários a cair em contradição, a afundar-se. Ou seja: não precisa de «montar» um edifício para fundamentar a sua tese: encarrega-se de «desmontar» a tese oposta, ou melhor, provoca os defensores desta, de modo a que eles se desmontem a si mesmos, a que fiquem expostos no ridículo dos seus erros e vulnerabilidades.

Por fim, independentemente do conteúdo, concordemos ou não, gostemos muito ou gostemos pouco, o certo é que Moore se revela um exímio realizador. Quantos mais conseguem pegar num tema e, querendo fazer sobre ele um «documentário», o mantêm permanentemente interessante, sem tempos mortos, sem pausas para bocejar ou para uma soneca rápida, interpelando-nos em cada instante, obrigando-nos a pensar e a reagir, a rir ou a chorar?

Moore joga com uma larga paleta de emoções. Achavam que, para ser sério e mostrar a realidade, não podia fazê-lo? Que o não devia fazer? Acham que é precisamente a isso que se chama «jogar» com as emoções?
Discordo: só um morto poderia ser posto em face do drama da saúde nos EUA sem sentir tudo aquilo com muita intensidade. Sem rir. Ou sem chorar.

Como dizia alguém, isto não é manipulação. Isto é cinema. No seu melhor.