O livro em causa é O Coração das Trevas (The Hearth of Darkness): ando a relê-lo, em busca de uma obra maior da literatura que seja, ao mesmo tempo, uma obra menor em extensão, de forma a que a usemos, para o ano, como objecto de conversa numa das tertúlias literárias da Biblioteca.
O seu autor é Joseph Conrad, isto é, Jósef Teodor Konrad Korzenlowski, aristocrata polaco que se tornaria um reconhecido mestre do inglês, idioma em que escreveu os seus celebrados romances, apesar de o ter

Da sua autoria, toca-me particularmente Lord Jim, de que falamos nas aulas de filosofia a propósito de como um acto, cuja génese nem mesmo aquele que o pratica é capaz de explicar muito bem, pode, contudo, condicionar completamente a sua vida. E, falando de Lord Jim, é já possível começar a remeter para o cinema. Estou certo de que houve vários filmes inspirados nessa obra: recordo-me de um, com Peter O' Toole (actor que considero, aliás, muito mau e me parece que vinha piorando com a idade...) e james Mason.

Mas regressemos ao coração das trevas. Trata-se de uma obra soberba. Se ultrapassarmos rapidamente o início - contaminado, quanto a mim, por um recurso estilístico que me desagrada pelo seu irrealismo, se não anti-realismo: o que consiste em mostrar-nos que toda a história está sendo contada, de viva voz, por alguém, numa roda de amigos... -, apercebemo-nos de que nos encontramos em face de uma narrativa, profundamente cinematográfica, sobre o modo como o mal, «the darkness», que nada mais é do que a natureza mais profunda e brutal de todos nós, uma vez emergindo, no contexto mais propício, nos devora e transforma completamente, anulando todos os resquícios de cultura e civilidade sob que se ocultara.
Há duas personagens centrais. Para já, Marlow, que vai rememorando como subira o rio Zaire, guiado pelos relatos, de que lhe chegavam ecos, acerca de um misterioso, sinistro e fascinante Kurtz; e, depois, o próprio Kurtz, que a vida numa África selvagem transformara num ser cruel, uma espécie de Senhor da violência, que os indígenas adoravam como a um deus vivo.
Mas a questão que subsiste é esta: serão Marlow e Kurtz assim tão diferentes? O homem civilizado e aquele que mergulhou no coração das trevas estarão assim tão radical e definitivamente separados um do outro? (É, de resto, a mesma temática de uma outra obra maior, igualmente adaptada ao cinema, O Senhor das Moscas).
E, para não nos afastarmos do cinema: Orson Welles




Há algo nesse autor, Joseph Conrad, que me soa familiar. À algum tempo ouvi, num programa do Biography channel que David Lean esteve em certo ponto da sua carreira interessado em adaptar para o cinema um livro intitulado "Nostromo", de Joseph Conrad. Será esse autor o mesmo que descreves aqui?
ResponderEliminarÁs vezes esqueço-me que a internet propicia um acesso quase sem limites a todo o tipo de informação. Já confirmei que se trata do mesmo autor. Eu sabia que ele era o autor dessa obra que referi, Nostromo, a qual não conheço muito bem, mas nunca o associei ao Heart of Darkness, que conheço quase exclusivamente pela adaptação cinematográfica do Francis F. Coppola.
ResponderEliminarAinda assim nunca li o livro. Confesso alguma curiosidade em saber se Coppola terá tomado alguma liberdade artistica na adaptação, além da transposição espacio-temporal da acção que referes.
O filme referido, Lord Jim, é bastante interessante. É do Richard Brooks, um realizador que eu aprecio. Infelizmente, não li nada do Conrad mas adorei o Deus das Moscas e a temática em si agrada-me bastante, por isso é provável que leia o Heart of Darkness. Quanto ao Peter O'Toole, não desgosto dele embora não ache que seja por aí além. Faz-me pena é que já tenha sido nomeado umas seis ou sete vezes e nunca tenha vencido - até o terrível scorcese já ganhou! E o Boris karloff, não acham ser extraordinário? (especialmente no frankenstein)
ResponderEliminarahhh... esqueci-me de dizer que tenho o Lord Jim e os filmes do Karloff, se alguém quiser. (em relação ao Apocalypse Now, nunca vi, talvez porque ninguém na minha família gosta do filme, mas tenho alguma curiosidade e se algum dos cinéfilos tiver, agradecia que me emprestasse)
ResponderEliminarP.S - Viva o Orson Welles!
ResponderEliminarBem, pelos vistos a minha resposta já vem tarde para fazer os esclarecimentos pedidos. Já percebeste, JC, que Nostromo é do mesmíssimo Conrad. Há mais um passado recentemente para o cinema - «recentemente» é relativo -, que é Agente Secreto. Ao Eça, que julgo que domina o inglês, aconselho, então, a que experimente ler o Conrad em inglês. Não digo isto por pretensiosismo, para que se possa avaliar o extraordinário e feliz inglês em que escreve alguém que o aprendeu tão tarde, mas que dizia que lhe parecia que sempre tivera o inglês em si, como se aprendê-lo tivesse sido, de facto, simplesmente recordá-lo. Quanto às liberdades tomadas por Copolla, bem, elas são praticamente ilimitadas. Basta dizer que Marlow, em Conrad, se deixa entranhar completamente pela «darkness», sendo salva dela pelo exterior - isto é, por quem o vai buscar -, enquanto que o «Marlow» de Copolla - que não se chama assim, é o capitão -, no filme, acaba matando Kurtz.
ResponderEliminarEste meu anterior comentário ficou pejado de erros. É terrível não se poder corrigir. Apagar e rescrever? Desculpem lá, não me apetece. A ideia ficou clara não foi? Então, vá!
ResponderEliminarObrigado pela sugestão. De facto, li há pouco tempo A Connecticut Yankee in King Arthur's Court, do Mark Twain, em inglês, e é sempre impressionante como um livro fica distorcido por qualquer tradução - mesmo a melhor. O Corvo, traduzido pelo Pessoa, sempre foi ilegível. De qualquer forma, isto aplica-se também ao cinema e é por isso que ultimamente tenho visto os filmes em inglês. E percebe-se melhor! Por exemplo, nos filmes dos Irmãos Marx, há momentos hilariantes em que o Harpo (que é mudo) descobre sempre um segredo e tem que revelar ao Chico. Para isso ele utiliza objectos e mímica. Num dos filmes, ele queria dizer que o seu amigo tinha sido despedido e então acendeu um isqueiro, originando fogo - que em inglês é fire. Isso levou a despedido - fired! Traduzido para o português não tinha qualquer piada. E isto acontece muito nas comédias e nas "piadas linguísticas", mas também em todo o género de filmes.
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