quarta-feira, 29 de julho de 2009

O GRANDE ARREPIO

Considero profundamente refrescante a ideia de que, para me agradar, um filme não tenha de preencher uma lista de pré-requisitos.
Considero profundamente refrescante a ideia de que me tocam os mais diversos filmes e, sobretudo, me tocam pelas mais variadas razões.

Poderia ignorar que, no que me prende a um filme como The Big Chill, traduzido em português para Os Amigos de Alex, é óbvio o facto de se tratar de uma história de geração, que me permite reconhecer o meu próprio grupo de amigos naquele grupo de amigos que, na juventude, viveram empenhadamente os ideais revolucionários; que, depois, se separaram e deixaram quase de se ver, tendo, nos seus percursos, acabado por negar tudo o que haviam defendido, ou acabado por se adaptar ao que haviam combatido; para, muitos anos volvidos, se reencontrarem por causa do funeral de um deles, que se suicidara - precisamente o "Alex" do título, que nunca chegamos a ver e só vagamente reconstituímos a partir dos relatos dos sobreviventes que o recordam? Não posso negá-lo: a minha proximidade relativamente a este filme (que revi há muito pouco tempo, em casa de um amigo, entre amigos, numa espécie de identificação ritual e colectiva) entronca nessa forma de lidar com a memória e com a saudade, que é uma saudade da música que partilhávamos (e o filme faz-nos ouvir, por exemplo, um tema forte dos Rolling Stones, ou os Creedence Clearwater Revival), da militância em nome de um mundo melhor, que julgávamos que construiríamos de uma assentada, ou de uma maneira de estar em grupo, entre convicções e discussões, amores e desamores.

Este filme de Lawrence Kasdan, de 1983, tem precisamente que ver com o crescer entre amigos, o crescer em grupo, numa ligação fortíssima e, aparentemente indestrutível, a que se julga que o mundo se renderá. Que fez a vida de nós, tantos anos passados? Como podemos comparar o que desejávamos, e ambicionámos, com o que efectivamente obtivemos? Eis o grande arrepio - e se Alex acabou por se suicidar, não terá sido porque a terrífica realidade o venceu, e os companheiros se haviam distanciado e, em última análise, não havia nenhum ombro, nenhum braço, nenhuma solidariedade?



Os actores convocados por Kasdan parecem-me, de todas as vezes que revejo o filme, os actores exactos para a representação dos papéis. Aprendi a amá-los aqui: Kevin Kline, que nunca mais achei tão rigoroso, encarna o perfeito anfitrião, o homem de negócios bem-sucedido que acolhe, em casa, numa casa magnificiente de resto, os companheiros anti-capitalistas de outrora;



Glenn Close, para mim, mais até, se possível, do que a astuciosa e perversa dama de Ligações Perigosas, será sempre a generosa mulher que empresta o seu marido para a realização do sonho da amiga (Mary Kay Place);








e que dizer de Jeff Goldblum, que também, para mim, muito mais do que o infeliz ser humano que se vai metamorfoseando em repugnante insecto, do filme A Mosca, há-de ser Michael, o jornalista cínico e sarcástico em que se terá metamorfoseado o jovem e combativo estudante de outros tempos;







E mesmo Tom Berenger, que nunca esperaríamos ver num filme com tamanha densidade, cumpre adequadamente o seu papel de um dos jovens desse passado revolucionário que, entretanto, se teria tornado no actor de uma superficial série televisiva de acção;



ou William Hurt, no descontente, o inconformado Nick, o mais marginal e perdido dos antigos companheiros,


ou a notável e engraçadíssima JoBeth Williams,





ou Meg Tilly, na doce Chloe que, de uma geração diferente, assiste sem inteiramente compreender, um pouco perplexa, à manifestação dos dilemas, do confuso e perturbador apego ao passado, das questões deste grupo de amigos que não sabem se ainda se reconhecem e se identificam uns com os outros ou se, definitivamente, se afastaram...

5 comentários:

  1. não sei se há problema de comentar este post tanto tempo após a sua elaboração, mas queria dizer que conheço pouco a obra do Kasdan (o que é sinónimo de QUERO CONHECER MELHOR/EMPRESTEM-ME FILMES DELE, SE TIVEREM, bitte). O único filme que vi dele, foi o recente Dreamcatcher, que foi um dos piores filmes que já vi na minha vida. No entanto, lendo um pouco sobre a obra desse realizador parece-me que esse filme não seja propriamente o sumário do seu trabalho, por outro lado, parece-me uma porcariazinha que ele teve de fazer, adapatada de um livro daquele tipo horrível a quem chamam mestre do terror - Stephen King, que escreve uns quatrocentos livros por ano. Por isso mesmo, e por que dizem tão bem de vários dos seus filmes, gostava de conhecer melhor (até aparece no começo da sessão dupla da RTP 2!, o que é uma honra). Não sei se o professor viu o Dreamcatcher, mas se viu, concorda com o que eu disse?

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  2. ps. aquele filme dele, the accidental tourist, estava muito barato no media markt. nem sei porque é que não comprei. (suponho que já devia levar uns vinte filmes e não tinha mais dinheiro...)

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  3. sobre o Tom Berenger: ele tem um papel extraordinário no filme Betrayed, do Costa Gavras, sobre uma pacata comunidade americana que se revela na verdade seguidora dos príncipios insanos do Ku Klux Klan, perseguindo e assassinando negros, pelo que não concordo com a afirmação do professor. Não sei se já viu o filme?

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  4. Só agora dei pelos comentários, daí o atraso. Não, Eça, não vi nenhum dos dois filmes que refere. E o Berenger, infelizmente, conheço-o sobretudo de filmes fáceis e medíocres, de acção, em que acabou por se especializar. (Aliás, é por isso que vai tão bem nos Amigos de Alex, em que é um estudante revolucionário de outrora que acaba por vir a dar num actor popular... de uma série de acção, com muitas mulheres seminuas e pancadaria a torto e a direito!)

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  5. O problema do Tom Berenger foi o exito que atingiu com a sua personagem de sargento justiceiro e sanguinário em Platoon, de Oliver Stone. A sua interpretação foi brilhante, mas salvo excepções como o filme que o João refere (que eu também já vi) a industria americana pegou no estereotipo de acção que deu tanto sucesso e "colou" em tudo o que Berenger fez dai pra frente. Ele simplesmente viu a carreira ir por água abaixo.

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