“(...) Discutir os gostos do outro não é desconsiderá-lo - pelo contrário, é valorizá-lo, e querer entendê-lo, é abrir um debate que, depois de aberto, pode levar a muitas novas conclusões, do outro ou de mim próprio.
Tentar convencer o outro de que o meu gosto é mais "gostoso" também não tem nada de mal, desde que eu o faça com argumentos e diálogo, num processo que me leva a ouvir também o que ele tem para me dizer dos seus próprios gostos. (...)
Joaquim Fidalgo
"Público" 15 Fev. 2006
3.º Festival de Curtas Quarta-feira no Auditório 30 de Maio de 2012 às 14h30
Exibição das curtas-metragens realizadas pelos alunos e ex-alunos da ESPJAL. Não são indicadas as curtas-metragens a concurso porque algumas delas estão em processo final de edição. Assim que tudo estiver concluído serão divulgados os títulos e os seus autores. De qualquer forma já existe a certeza de concorrem6 curtas no básico e 2 no secundário.
Extra-competição será exibido a curta "Siddhartha" do ex-aluno João de Almeida d'Eça.
Este ano a composição do júri do festival será constituído por:
Joana Pontes (realizadora) Elisa Costa Pinto (ex-professora ESPJAL) José Pacheco (professor coordenador do CC) André Vieira (ex-aluno da ESPJAL) Carolina Barrosa (8.º D) Patrícia Herdeiro (11.º F) Desta vez vamos apresentar, finalmente, a curta-metragem "Um Dia Frio"de Cláudia Varejão
Tal como o José escreveu no seu último post “Os dois fundadores do clube conhecem-se muito bem e a sua amizade sai reforçada das suas discordâncias”.
Aliás já escrevi aqui um post intitulado “A Amizade no Clube de Cinema” em 3 de Abril de 2011 em que referia “as 4 formas de agir quando um membro do Clube de Cinema decide fazer uma escolha, com a qual não se concorda, e apresentar um filme”.
Nesse texto dizia que:
“Outras vezes decide-se ir à sessão e enfrentar o confronto de ideias. Sem preconceitos. De uma forma civilizada. Sem golpes baixos, truques de argumentação ou outros estratagemas conhecidos que não conduzem a um salutar debate. Aquilo que eu chamo de ‘debate honesto’. Sem vencidos nem vencedores. Tentando não transformar a conversa num jogo: em que vencer é mais importante do que ouvir o que o outro tem para nos dizer. Desta forma eu fico a pensar nos argumentos que me foram colocados e espero que o outro faça o mesmo.”
Por isso parece estar claro que sobre este assunto, eu e o José, estamos de acordo.
Quero, no entanto, também, esclarecer alguns pontos relativamente à minha postura no “Clube de Cinema”.
1. Este Clube sempre foi um projecto colectivo. No final do ano lectivo (e a meio) elaboramos um relatório/ balanço das actividades desenvolvidas que já tinham sido planificadas anteriormente. É esta a avaliação formal. A outra – a que corresponde à presença voluntária de alunos, professores e outras pessoas que nos têm visitado todas as semanas e que nos proporcionam o prazer de partilhar opiniões - para mim, é a mais importante.
Para mim, o prazer começa na 4ª feira. Tenho duas aulas de Educação Tecnológica das 10h20 às 13h30. Este ano lecciono 3 turmas de ET e 4 de TIC. No total, cerca de 150 alunos que eu tento “aliciar” para as nossas sessões. Que começam (normalmente) às 14h30. Foram-me atribuídas 3 horas não lectivas à 4ª feira para este fim. As minhas outras horas não lectivas são distribuídas da seguinte forma: no projeto de elaboração da revista Crítica (que tem tido uma periocidade anual), no acompanhamento de um aluno em regime de tutoria e dois tempos em aulas de substituição.
Na 5.ª feira seguinte registo as presenças das sessões e começo a planear a sessão seguinte. Este ano, excepcionalmente, (já há muito tempo que tal não acontecia) não tenho aulas nesse dia e, por isso, aproveito para elaborar o cartaz de propaganda do filme da próxima sessão, inicio a pesquisa necessária à realização de um folheto de 4 páginas, que é distribuído por todos os presentes no início da visualização do filme e preparo o material para colocar no blogue e no perfil do facebook. E faço tudo isto, novamente, com um imenso prazer. Como diz o José, “nenhum dos professores que abraçam a ideia e a ‘praticam’, todas as quartas-feiras, tem seja o que for a ganhar com essa participação. A não ser em termos de prazer, camaradagem e aprendizagem”.
2. Considero-me desde muito jovem um amante de cinema e portanto, se quiserem, um cinéfilo assumido (maior ou menor não sei como se pode medir isso). Vou para as sessões para ouvir, aprender e especialmente para ter o prazer de partilhar opiniões com todos os presentes. E dá-me um gozo enorme perceber que o aluno que eu conheci com 13 anos de idade, tímido, inseguro e apenas atento às outras intervenções, passados 3 anos tenha agora uma postura radicalmente diferente.
3. Para mim o debate não é um jogo. Nos jogos ganha-se e perde-se. E aqui, eu só “ganho”. Nunca perco. Porque, confesso, faço-o movido por um enorme interesse explícito: o prazer de partilhar opiniões.
4. Eu sei que o José utiliza a expressão jogar noutro sentido. Mas eu tenho alguma dificuldade em empregar esse termo para os nossos debates. E tento (não sei se consigo sempre), quando não concordo com alguma opinião, não “fulanizar” o debate. Não me parece que a palavra combate (mesmo que em sentido figurado) tenha sentido quando o José afirma: “entendo que debater significa, numa forma muito positiva e nada agressiva, entrar em combate”.
5. Como o José diz, a discordância também me estimula mas ela não tem que obrigatoriamente existir num debate. Pode haver apenas partilha de opiniões. E se existir discordância ela não terá que se transformar numa espécie de luta.
6. Por mim, este debate está encerrado. Por isso não tenciono alimentá-lo mais, mesmo que obtenha resposta. Seguem-se outros. E, principalmente, espero que continue a existir o prazer de partilhar opiniões.
Por mim, o debate está encerrado; expusemos as nossas posições, porventura com alguns equívocos pelo meio, e não me parece que a continuação vá trazer novidades.
Todavia, sinto necessidade de clarificar alguns pontos. Mais por causa do que alguns espectadores possam ter julgado ver, do que pelos estragos efectivos: não houve quaisquer estragos, aliás. Os dois fundadores do clube conhecem-se muito bem e a sua amizade sai reforçada das suas discordâncias.
Não quero tornar ao "Paris, Texas" em particular, mas à minha relação pessoal com um clube que se chama "Gostos Discutem-se", e que, por isso mesmo, vejo - e sempre vi - como um clube onde as pessoas praticam alegremente a discussão, comprazendo-se no gosto de argumentar e no prazer de se porem em confronto, sem melindres nem receios.
1. Para mim, o clube é um projecto colectivo. Existe enquanto interesse comum, que nos une todos, seus participantes. Nenhum dos professores que abraçam a ideia e a "praticam", todas as quartas-feiras, tem seja o que for a ganhar com essa participação. A não ser em termos de prazer, camaradagem e aprendizagem. Não singramos na carreira, não somos avaliados por este projecto, não recebemos dinheiro. Pessoalmente, não tenho qualquer redução no meu horário por causa dele. Nunca fiz questão. Quarta-feira, aliás, é um dia em que não tenho aulas: venho propositadamente à escola para "clubar".
2. Sou um amante de cinema, mas considero-me, do ponto de vista dos conhecimentos, um cinéfilo menor. Não vou para ensinar, vou para fruir e aprender; gosto desta perspectiva. E se alguma vez me reconheci na expressão «os professores ensinam tanto os alunos, quanto aprendem com eles [e, neste caso, aprendem com os outros professores]» foi sem dúvida no clube de cinema.
3. Para mim, o debate é um jogo. Argumentar é um prazer infinito. Como nada ganho, materialmente, com o clube de cinema [vide ponto 1], quando debato não o faço movido por interesses ocultos nem por objectivos mesquinhos. Não debato para me promover nem para fragilizar a posição dos outros. Faço-o unicamente pelo gosto da discussão.
4. Discuto as ideias, não as pessoas. Quando, no contexto, me sucede associar uma ideia à pessoa que a defendeu, não tenho a intenção de me comparar, nem se trata de "fulanizar" a discussão. Faço-o porque entendo que debater significa, numa forma muito positiva e nada agressiva, entrar em combate. Do meu ponto de vista, "debater" não é expor as ideias, nem pô-las lado a lado, nem trocá-las. Não é limitarmo-nos todos a "expressar" as nossa impressões. É jogarmos.
5. Mas o facto de ser um jogo não significa que o resultado tenha de ser a vitória de um ou de outro. Não preciso de "vencer": agrada-me o puro exercício desse combate; agrada-me discordar. Preciso de ter razões para discordar [não discordo por discordar nem por sentir necessidade de o fazer], mas, confesso, agrada-me discordar. Acontece-me discordar do Francisco, porque felizmente não somos clones, embora raramente discorde dele no essencial; acontece-me discordar da Teresa e da sua visão feminina, quando se desvia da minha visão masculina; acontece-me discordar do João Leão. Ou da Ana. Ou do Rodrigo. Ou da Luísa [Simão] e mesmo da Luísa [Fragoso]. Mas encanta-me que discordem de mim. Aliás, mesmo nas aulas, a discordância dos alunos é quase sempre um estímulo (pelo menos quando é uma discordância com rigor e bem fundamentada). Talvez o segredo resida aqui: a discordância estimula-me. Nomear uma pessoa, dizer: «Não concordo com a posição do Rodrigo, porque ele diz isto, e eu acho aquilo», é, sobretudo, chamá-la para a luta.
6. Não tenho, da discussão, a ideia iluminista e iluminada de que se trata de fazer luz, ou levar a que a "razão" venha ao de cima. Não ando a tentar perceber quem está certo: trata-se de testar e pôr em confronto diferentes chaves de leitura e diferentes gostos.
Evidentemente, não espero que todos tenham, da discussão, o mesmo entendimento que eu. Apresento esta série de pontos simplesmente para evitar equívocos. Para que se não comece a pensar que uma discussão acesa representou alguma zanga. Para que se saiba que, quando discuto, é só disto que se trata. Mais nada.
"Quem sonha de dia tem consciência de muitas coisas
que escapam a quem sonha só de noite"
Edgar Poe
Não. Desta vez não há polémica.
Embora, por vezes, ela seja necessária.
Sinto-me até algo triste que os nossos "cinéfilos" (cujos nomes estão aqui ao lado colocados como "estátuas") participem tão pouco nestes debates. Podiam pelo menos fazer alguns comentários...
No entanto, como o Peter Falk afirmava no filme "As Asas do Desejo", eles (os nossos cinéfilos - e outros "anjos") observam-nos e isso é visível naquele contador de presenças do Blogue que nos últimos dias tem andado numa roda viva... e já estamos perto das 10.000 visualizações!
Apesar das divergências (e ainda bem que elas existem) relativamente a "Paris, Texas", o Clube de Cinema não se vai desmoronar e a minha amizade com o José mantém-se. Foi ela que nos permitiu sonhar com este projecto "Gostos Discutem-se" que teve, relembre-se, na primeira sessão, a presença de 6 pessoas: 3 alunos e 3 professores.
Ontem, na apresentação do filme "As Asas do Desejo", estiveram a assistir 14 pessoas. Um pouco menos que a média deste ano que ronda as 20 presenças. Testes intermédios, trabalhos para entregar, preparação das curtas-metragens para o Festival do dia 30, talvez sejam bons argumentos para as ausências...
Mas não sabem o que perderam!
Embora o filme não seja daqueles "cheios de acção" e de leitura fácil, os 14 resistentes mantiveram-se e a maioria permaneceu no final para o debate. E que debate... Quase todos foram dando a sua opinião, ouviu-se muito (que é tambem uma forma de participar) e ficámos todos com a sensação de que valeu a pena.
Por isso, para aqueles que não puderam ir, aqui vos deixo dois textos que ajudam a comprender o filme.
O primeiro escrito pela apresentadora - a Prof. Teresa Gomes.
O segundo é de Pedro Moreira, escrito em 2007, na Revista E-topia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Der Himmel über Berlin – Sob o céu de Berlim
Há acontecimentos que modificam a nossa vida e este filme foi um deles. Não de repente, mas ao longo do tempo que o fui degustando. Ganhou mais uma peculiaridade quando seguido do “Paris, Texas” do mesmo realizador. Wim Wenders, o contador de espaços.
O filme é passado em Berlim Ocidental (RFA) em 1987. A cidade está dividida pelo muro construído em 1961, pulsante cicatriz queloide que interrompeu lugares, caminhos, histórias, famílias. Expressão maior de como o poder político condiciona a vida e a felicidade humana. O filme é sobre esta cidade dilacerada. Mas não só. É a existência humana vista por alguém exterior a ela - os anjos. O “desejo” nasce da cobiça dos anjos que não têm acesso aos sentidos humanos, origem do prazer. É que a vida permanece.
Todos os sentimentos, pensamentos, gestos, feitos por vezes de forma automática e inconsciente, expressam essa vida: o café da manhã, o abraço dos amigos, o calor do sol na pele nos dias frios, a primeira chuva, um cigarro ao fim do dia, estudar, passear de mão dada; mesmo a inquietação, a desilusão e o amor são preciosos.
Foi esse olhar de criança, nascido dos sentidos, inquieto e deslumbrado, que eu recebi do filme.
Als das Kind Kind war…
Teresa Gomes
As Asas Do Desejo: Porque é preciso sonhar
Pensar sobre a Utopia é, em grande medida, pensar sobre a origem do desejo humano. Se queremos que o mundo seja verdadeiramente melhor, temos primeiro que perceber o que nos leva a esse impulso. Será inato ao ser humano o desejo de ir mais além, de sonhar e imaginar, de projectar um amanhã diferente do dia de hoje?
António Damásio, no seu magnífico Erro de Descartes, coloca o desejo como inato ao ser humano, demonstrando cabalmente a forma como determinadas zonas do nosso cérebro controlam a capacidade de pensarmos no amanhã, nas nossas aspirações e projectos para lá do limiar do imediato, do hoje.
(…)Podemos assumir duas posições no que toca à origem do desejo: acreditar que é parte da nossa condição ou então considerar que a necessidade ou as circunstâncias sociais, económicas e políticas o despertam. Estes pontos podem ser ilustrados recorrendo a um filme de Wim Wenders, As Asas do Desejo. Não pretendo oferecer uma sinopse detalhada, na esperança de que os aspectos focados estimulem o visionamento do mesmo.
O filme, datado de 1987, tem como cenário a cidade de Berlim do final dos anos 80. O guião, inspirado na poesia de Rilke e escrito em colaboração com Peter Handke, acompanha o dia-a-dia da Berlim do final da década, de uma humanidade desiludida que vagueia cinzenta pelas cicatrizes do Pós-guerra. Esta situação é-nos relatada do ponto de vista de dois anjos – Cassiel e Damien – visíveis apenas por crianças e incapazes de qualquer contacto físico com o mundo humano. A sua visão é, significativamente, a preto e branco. Em contraponto, recorre ao longo do filme a narração em voz-off de um poema de Handke, Song Of Childhood. Esta canção da infância recorda o que depressa esquecemos, esse ponto comum a todo o ser humano, por mais diferente que a sua experiência de vida seja: a criança é o sonhador perfeito.
A criança é capaz dessa proeza de olhar um riacho como um rio, um rio como uma torrente e uma poça como um oceano. Encara o futuro como um território de possibilidade total, a sua construção do mundo não encontra terrenos demarcados pelas barragens da negação. Acima de tudo, é capaz de encarar o futuro em cada momento e de o moldar e construir de acordo com as suas expectativas e sonhos. Creio que recordar as proezas da nossa infância não constitui um exercício inútil de nostalgia mas, cada vez mais, uma proeza maior.
Esta capacidade primeira de sonhar, de encarar o futuro com optimismo, é o fruir primeiro do impulso utópico. “Imagination is more important than knowledge”, assim é citado Einstein por Federico Mayor em Attempting The Impossible. Não é a utopia o reflexo máximo da vontade humana de ir mais além? O conhecimento só pode conceber a chave para um futuro melhor quando alado pela imaginação, quando carregado pelas asas desse desejo. Na ausência dele, torna-se uma prisão, estagna o Homem na realidade cinzenta da Berlim de Wenders.
É particularmente comovente a imagem de um idoso que procura a Potsdamer Platz de tempos idos, recordando-a num cenário de ruína, ao lado do Muro. Este olhar para o passado nas ruínas do presente serve de metáfora para expressar a perda da oportunidade de reclamar o paraíso quando o homem perde a capacidade de sonhar e olhar para um futuro melhor.
Ao retratar o Homem nos dois extremos da sua existência – Infância e Velhice – o filme traça o arco dessa perda. O mundo da infância, presente através da recorrência do poema, denuncia a insuficiência e alienação do mundo adulto na sobreposição da narração às imagens. Desta forma, é identificado com o mundo dos Anjos, na medida em que ambos têm capacidade de sonhar: a Criança com o Futuro e os Anjos com a existência material.
Ao metaforizar a Infância num poema, sem concretizar através de uma personagem esta reflexão, Wenders iguala-a à neutralidade observadora dos Anjos. Assim, ambos olham o Homem com esperança e espanto. Recorrentemente, os dois anjos partilham os pensamentos que recolheram na sua observação, maravilhados com a beleza de momentos que passam totalmente despercebidos aos seus donos. A admiração que passa por eles é cândida e, de certa forma, infantil aos olhos do espectador.
Uma Humanidade sem sonho vive destituída e empobrecida: não há beleza ou felicidade. Vive desligada do pulsar que a anima, alienada do melhor que é capaz de produzir, sem conceder sentido à sua existência. Os Anjos, por sua vez, estão em contacto com a maravilha da poesia, da invocação da cor, do sabor, do sentimento. Não é ausente neles a resposta a essa invocação: surge o sonho, o desejo de as experimentar na sua plenitude.
Quando um dos anjos decide abdicar da sua condição, abraçando a mortalidade, fá-lo por crença na capacidade humana de sonhar. O mundo ganha então cor a seus olhos, ganha significado e esperança porque só na condição de morto é que faz sentido olhar-se com esperança para o futuro, mesmo que inatingível: “Sei agora o que nenhum anjo sabe”, diz o anjo caído no final do filme.
O desejo é então o que confere sentido à existência humana no filme de Wenders. Se a um mundo de fronteiras, de limitações sociais, políticas e económicas, respondemos com o mundo das fronteiras auto-impostas e da alienação, não somos mais do que uma versão a preto e branco da humanidade.
A resposta dada em Asas do Desejo à questão da origem do desejo passa pela afirmação de que, mais do que inato, este constitui o sentido mais nobre da existência humana. Diria que, ao sublinhar essa faceta, Wenders defende a necessidade de manter intacta a vontade de transcender os limites que todos conhecemos enquanto crianças. Nenhum Homem se esqueceu de como sonhar, mas a maioria dos Homens perdeu a crença na força e importância de o fazer.
Vivemos um momento historicamente tenso, não sem semelhança ao clima político que deu origem à obra de Wim Wenders aqui discutida: os choques culturais, as palavras “Guerra Nuclear” a insinuarem-se todos os dias na informação que nos chega através dos media. Obras como as Asas do Desejo tornam-se então vitais porque, ao devolverem respostas positivas ao Sonho e Desejo, devolvem esperança na possibilidade de um amanhã realmente melhor e ao alcance do Homem. Ou como diz o poema de Handke: “When the child was a child (…) it had, on every mountaintop, the longing for a greater mountain yet, and in every city, the longing for an even greater city, and that still is so (...)”.
Pedro Moreira
Revista E-topia - 2007
Faculdade de Letras da Universidade do Porto
Ligações para uma ideia de Geo-Narrativa Simbólica da América
O papel do cinema enquanto elemento de aquisição do real pelos Americanos e a construção de noções de território, família e genealogia. A íntima relação entre etnografia, geografia cinematográfica e as geo-narrativas das famílias americanas: O caso "Paris, Texas" de Win Wenders
Olá a todos!
Não posso deixar de começar por agradecer o convite do Francisco para a participação no visionamento e debate da sessão dedicada ao filme Paris, Texas, de Win Wenders, na semana passada. Foi um verdadeiro prazer poder contribuir para um debate que se revelou, durante e após a sessão, vívido e saudavelmente "acalorado".
Apesar do atraso, aqui ficam como prometido as ligações de significado aleatório, conspirativo e altamente suspeito, mas, na minha opinião, absolutamente relevante que as minhas "escavações" apriori da sessão puderam revelar.
Cumprimentos a todos e bons vôos Wenderianos!
3.30 da manhã
será um galo
ou uma mulher gritando na distância
será o céu negro da noite profunda
ou o quase azul-escuro dentro da madrugada
será um quarto de motel
ou a casa de alguém
será o meu corpo vivo
ou morto
será o Texas
ou Berlim-Oeste
afinal
que horas são
a que pensamentos
posso chamar meus aliados
e se suspendesse
todo o pensamento
uma pausa honesta
num espaço vazio
deixem-me navegar a estrada
de cabeça vazia
só uma vez
não estou a suplicar
não estou a pôr-me de joelhos
não estou em condições de dar luta.
9/12/80
Fredericksburg, Texas
Crónicas Americanas, Sam Shepard
Um meta-filme de géneros Americanos ou um Road Movie com um Home Movie dentro - Cancion Mixteca, a canção mais étnica do filme na cena do Super 8 e numa versão especial... -
- You know what? - (um)a cena road movie por excelência
A paisagem sonora de Ry Cooder
- Instrumental completo do tema principal -
Curiosamente não muito longe dali... alguns anos depois
The Straight Story - David Lynch
Outras curiosidades encontradas ao longo da mesma estrada...
Finalmente um pouco de tempo para poder reflectir sobre algumas questões colocadas pelo José.
As discussões, infelizmente, em alguns casos, não servem mesmo para convencer o outro. Esta iniciou-se, aliás, no momento em que o José para defender o seu ponto de vista sentiu necessidade de discordar da minha opinião.
Relembro: "o que acho é que «aquela história» tem um peso que não é independente do espaço, mas, em grande medida, condicionado por aquele espaço, aquela vastidão (horizontal e vertical);" Depois, repito também, suponho também ter ouvido no debate que “aquela é tipicamente uma história americana” e como tal não concordando comigo que afirmei “ser uma história universal”.
E esta é verdadeiramente a nossa discordância. Continuo a pensar que aquela história tem um peso que não depende do espaço. Poder-se-ia passar em Paris, em Portugal ou no Texas. Seriam evidentemente outras paisagens. Outras músicas. Outras pessoas. Outras culturas. Outros filmes. Mas o essencial manter-se-ia: uma belíssima história de amor. Que poderia resultar (ou não) também num grande filme.
Quanto aos ditos “pormenores” do filme, esses claro, com uma ligação directa com o espaço onde se desenvolve a história eu nunca afirmei que não os admirava também. E incomoda-me que a discussão esteja a ser conduzida para esta vertente quando no início do nosso debate o que estava em causa era outra divergência – a já citada. Aliás disse, e digo, que quando um filme consegue contar uma boa história e a sua estética de realização convive harmoniosamente, existe a possibilidade de se tratar de uma obra-prima. É a minha maneira de gostar de um filme. Por isso acho que Paris, Texas é um grande filme porque tem um excelente argumento, realização, música, fotografia, montagem e um conjunto de actores notáveis.
Há quem consiga gostar muito de um filme só pela sua inovação estética. Não é o meu caso.
É às vezes evidente que as discussões podem não servir para convencer o outro.
É o caso desta.
Também é evidente que a razão e a importância para se aceitar uma posição, em detrimento da sua contrária, começa a perder-se de vista. Talvez nunca existisse. "Paris, Texas" é um grande filme, veja-se como o Francisco o vê ou veja-se como o vejo.
E, no entanto, vale a pena continuar o debate. Não para lançar a última palavra, não para convencer, muito menos para "vencer", mas porque me parece pedagógico mostrar até que ponto a mesma obra pode tocar sensibilidades de maneira diversa; do meu ponto de vista, não interessa saber quem tem razão: nenhum provavelmente a tem, pelo menos em definitivo, e nem é disso que se trata. Mas é interessante entender-se que há, e até que ponto há, captações múltiplas, incidências diversificadas, interpretações diferentes, que se acrescentam e complementam, mesmo quando se contradizem.
Deixem-me pois voltar ao pomo: aquilo a que o Francisco chama a "essência universal" é, tão só, uma parte da história. Francisco refere-se à narração simples e quase linear, que escutamos pela voz de uma personagem, e que é, a seguir, continuada pela outra. Constitui um momento no todo da história, o recordar de um passado comum a um homem e a uma mulher, que se reencontram, ao fim de muitos anos, separados por um vidro. Podíamos reduzir essa história a pouco mais do que esta evocação: jovens encontram-se, apaixonam-se, ele sente ciúmes violentos, ela sente-se prisioneira, e por aí fora. Claro que, nestes termos [e narrada na voz de uma ou da outra personagem, isto é, sem estarmos a ver os acontecimentos], esta história é universal. Acontece é que, para mim, "esta história" não é a essência do filme. É um esquema; um mero esquema, uma linha dentro de um filme mais vasto e mais complexo, com muitas linhas mais. É um momento que não pode ser isolado do conjunto.
Mas até esta linha me interessa no concreto dos seus pormenores, se não, nem valia a pena contá-la. Dezenas de pessoas podiam apropriar-se dela, apresentando, porém, histórias completamente diferentes umas das outras. A partir do momento em que se pega num esquema linear, e se começa a preenchê-lo, a enriquecê-lo, representando-o com personagens concretas (não "um jovem", mas o senhor A, não "uma jovem", mas a menina B), definindo-lhes psicologias, procurando modos específicos de elas expressarem os sentimentos, tal "universalidade" [que, para mim, é uma pura abstracção: é ainda quase nada], tal "universalidade" vai ganhando peso, ecos, impressões, ressonâncias várias, particulares, informadas por uma cultura, por um espaço, por um modo de estar e de viver. São pormenores? Mas este filme é um filme de pormenores; mas, neste filme, os pormenores fazem o filme, "são" o filme.
Tenho razão? Não tenho: só uma maneira de sentir o "Paris, Texas", sem a qual "Paris, Texas" já não é o "meu" "Paris, Texas".
“o que acho é que "aquela história" tem um peso que não é independente do espaço, mas, em grande medida, condicionado por aquele espaço, aquela vastidão (horizontal e vertical)”
Isto foi aquilo que o meu amigo e parceiro do Clube de Cinema, José Pacheco, escreveu num comentário ao post anterior.
Além disso suponho também ter ouvido no debate que “aquela é tipicamente uma história americana” e como tal não concordando comigo que afirmei “ser uma história universal”.
Mantenho o que disse e por isso vou colocar 3 excertos do filme (talvez os mais belos) que ilustram o meu argumento:
"I knew these people. These two people. They were in love with each other. The girl was very young, about 17 or 18, I guess. And the guy was quite a bit older. He was kind of raggedy and wild. And she was very beautiful, you know. And together they turned everything into a kind of adventure. And she liked that. Just an ordinary trip down to the grocery store was full of adventure. They were always laughing at stupid things. He liked to make her laugh, and they didn't much care for anything else because all they wanted to do was be with each other. They were always together...Yes, they were, they were real happy. And he, he loved her more than he ever felt possible. He couldn't stand being away from her during the day when he went to work. So he'd quit, just to be home with her. Then he'd get another job when the money ran out, and then he'd quit again. But pretty soon, she started to worry. Money, I guess. Not having enough. Not knowing when the next check was coming in. So he started to get kind of torn inside. Well, he knew he had to work to support her, but he couldn't stand being away from her either. And the more he was away from her, the crazier he got, except now, he got really crazy. He started imagining all kinds of things. He started thinking that she was seeing other men on the sly. He'd come home from work and accuse her of spending the day with somebody else. He'd yell at her and break things in the trailer. Yes, they lived in a trailer home... Anyway, he started to drink real bad, and he'd stay out late to test her, to see if she'd get jealous. He wanted her to get jealous, but she didn't. She just worried about him but that got him even madder...because he thought if she never got jealous about him, that she didn't really care about him. Jealousy was a sign of her love for him. And then one night, one night, she told him that she was pregnant. She was about three or four months pregnant. And he didn't even know, and then suddenly everything changed. He stopped drinking and got a steady job. He was convinced that she loved him now, because she was carrying his child. And he was going to dedicate himself to making a home for her. But a funny thing started to happen...He didn't even notice it at first. She started to change. From the day the baby was born, she began to get irritated with everything around her. She got mad at everything. Even the baby seemed to be an injustice to her. He kept trying to make everything all right for her. Buy her things. Take her out to dinner once a week. But nothing seemed to satisfy her. For two years, he struggled to pull them back together like they were when they first met, but finally he knew that it was never gonna work out. So he hit the bottle again. But this time it got mean. This time, when he came home late at night, she wasn't worried about him, or jealous, she was just enraged. She accused him of holding her captive by making her have a baby. She told him that she dreamed about escaping. That was all she dreamed about: escape. She saw herself at night running naked down a highway, running across fields, running down riverbeds, always running. And always, just when she was about to get away, he'd be there. He would stop her somehow. He would just appear and stop her. And when she told him these dreams, he believed them. He knew she had to be stopped or she'd leave him forever. So he tied a cow bell to her ankle so he could hear her at night if she tried to get out of bed. But she learned how to muffle the bell by stuffing a sock into it, and inching her way out of the bed and into the night. He caught her one night when the sock fell out and he heard her trying to run to the highway. He caught her and dragged her back to the trailer, and tied her to the stove with his belt. He just left her there and went back to bed and lay there listening to her scream. Then he listened to his son scream, and he was surprised at himself because he didn't feel anything anymore. All he wanted to do was sleep. And for the first time, he wished he were far away. Lost in a deep, vast country where nobody knew him. Somewhere without language, or streets. And he dreamed about this place without knowing its name. And when he woke up, he was on fire. There were blue flames burning the sheets of his bed. He ran through the flames toward the only two people he loved, but they were gone. His arms were burning, and he threw himself outside and rolled on the wet ground. Then he ran. He never looked back at the fire. He just ran. He ran until the sun came up and he couldn't run any further. And when the sun went down, he ran again. For five days he ran like this until every sign of man had disappeared."
Enquanto não aparecem os vídeos que o nosso convidado Luís Frias (que apresentou o filme da última sessão - "Paris, Texas) irá colocar por aqui no blogue, não resisti a deixar aqui um que descobri no youtube.
Trata-se de um excerto de uma entrevista a Wim Wenders para ser incluída num documentário chamado "Janela da Alma".
Este excerto, uma parte da entrevista que acabou por não aparecer no documentário, revela-nos um pouco sobre a personalidade deste realizador que vamos ter a possibilidade de acompanhar em mais dois filmes nas duas próximas sessões ("As Asas do Desejo" e "Pina").
A entrevista divide-se em 4 partes e talvez para abrir o "apetite" transcrevo a 1ª parte:
As imagens devem obedecer à história "Quando comecei como cineasta com os meus primeiros filmes o maior elogio era se alguém dissesse: “Adorei as imagens!”. Mas hoje, é quase o contrário. Se alguém vir um filme meu e disser: “Lindas imagens!”, eu penso “Oh cometi algum erro.” Porque se foi isso que captaram não era o que eu queria. Acho que as imagens têm que servir uma história. As imagens têm que ser amarradas por uma história. E acho que as imagens ainda podem fazer isso, mas gosto de protegê-las. Acho que a melhor proteção que encontrei para as imagens são as músicas e as palavras. E acho que as imagens, se estão no contexto de uma história ainda assim precisam ser inseridas num contexto. E a melhor proteção que conheço e a que mais gosto de usar, é a música. Ainda sinto que um filme sem música seria inútil e de certa forma eu jamais o faria. Eu provavelmente sentiria que as imagens estariam nuas e desprotegidas e que ficariam doentes e logo morreriam."
Na última sessão, na 102ª, tive a oportunidade de experimentar um pouco do gosto que muitos dos cinéfilos tiverem há 3 semanas atrás. Tive o privilégio de partilhar, com o grupo que se encontrava essa quarta-feira no anfiteatro, o meu texto com 102 palavras, devido ao facto de ser a 102ª sessão, e o meu excerto preenchido de harmonia.
Agora partilho aqui no blog ambos:
Sei que já vou com algum atraso, mas ainda vou a tempo de
participar nesta celebração.
Decidi optar por um excerto um pouco diferente dos outros,
um excerto que não está presente na versão final do filme, uma cena cortada do
Dreamgirls, um dos meus musicais favoritos, que se passa na idade de ouro da música,
onde um trio de soul, formado por afro-americanas rompe as tabelas pop, no início
dos anos 60.
Neste excerto, vemos a reconciliação de dois irmãos que já
não se falam há muito tempo, bem ao jeito de um musical.