“(...) Discutir os gostos do outro não é desconsiderá-lo - pelo contrário, é valorizá-lo, e querer entendê-lo, é abrir um debate que, depois de aberto, pode levar a muitas novas conclusões, do outro ou de mim próprio.
Tentar convencer o outro de que o meu gosto é mais "gostoso" também não tem nada de mal, desde que eu o faça com argumentos e diálogo, num processo que me leva a ouvir também o que ele tem para me dizer dos seus próprios gostos. (...)
Joaquim Fidalgo
"Público" 15 Fev. 2006
Era só para apoiar o guilherme e o sacramento na sua apresentação do Cosmix. Espero que façam uma boa apresentação e que não nos aborreçam de morte. Good Night and Good Luck!
A comicidade dos filmes de Jacques Tati (para não deixar cair em saco roto o desafio do Francisco) contém, como ilustre antecessor na sua árvore genealógica, o burlesco do cinema mudo: tratava-se de, em torno dos Keystone Cops ou de Charlie Chaplin, por exemplo, mas assumindo em Buster Keaton um parente especialmente íntimo e querido, reconstituir uma linguagem cinematográfica - mas agora por opção, não já por razões que se prendem com o próprio estado de evolução técnica do cinema - em que o protagonista usa o corpo em vez da fala. Imediatamente identificado por um conjunto de sinais fixos, típicos da composição do palhaço pobre (na personagem de Tati, Monsieur Hulot, esses sinais eram o chapéu, o cachimbo, a gabardina e umas calças anormalmente curtas, do mesmo modo que em Charlot eram o bigode, o coco e a bengala ou os óculos e o chapéu de palha em Keaton), ele aparece como um homem em permanente luta contra um mundo adverso e implacável, que nada mais é, frequentemente, senão o mundo criado pelos que o rodeiam, arrogantes, insensíveis, vaidosos («o inferno são os outros», dizia Sartre), mas tem, outras vezes, o contorno chaplinesco de um «mundo moderno», todo ele feito de máquinas que se esperava que fosem o último grito no progresso científico-tecnológico e, porém, se revelariam estruturas devoradoras e ridículas, que convidam, em mãos inábeis, ao desastre, provocando as mais hilariantes situações de puro nonsense.
Quando pela primeira vez vi um filme de Jacques Tati - Playtime -, confesso que me senti distante desse tipo de humor. Era um humor demasiado físico e mudo para o gosto de um adolescente como eu, cada vez mais adepto da réplica rápida, do sarcasmo, enfim, do cómico produzido não só pelo efeito do corpo desajeitado de uma pessoa entre indivíduos e objectos de um mundo insensível mas, sobretudo, pela graça do próprio discurso. Os meus comediantes preferidos eram, aí, Woody Allen e Peter Sellers - que cheguei a ver juntos em filmes como What's New Pussycat?, ainda com Peter O'Toole...
Mais tarde, tive a oportunidade de assistir a Mon Oncle, o meu Tati predilecto: e, a partir daqui, irresistível e luminosamente, foram-se-me abrindo portas para um humor carregado de referências e piscadelas de olho cinéfilas, que, de algum modo, se ligava não só a Chaplin e Keaton, mas, até pela sua invisível raiz comum, aos meus cómicos preferidos, os já referidos Allen e Sellers. Nos primeiros filmes de Allen (estou a pensar em Bananas e Sleeper) estamos perante um Monsier Hulot norte-americano, tal como em The Party nos encontramos diante de um Monsieur Hulot inglês travestido de actor indiano em busca de adaptação a um meio cruel e snob. Ou seja: o humor é, no cinema - americano, inglês, francês, e esta ordem é perfeitamente arbitrária e está longe de ser exaustiva -, uma linguagem onde tudo se conecta e reencontra, as mais díspares e estranhas vias, a partir de fontes comuns...
Confissão: Woody Allen não é dos meus realizadores preferidos. Pelas mais variadas razões, distanciei-me bastante cedo da sua obra _ da qual, admito, vi poucos titulos. Em parte pela sua obsessão em apresentar personagens neuróticas (muitas vezes interpretadas por ele) , submergidas numa sociedade materialista e superficial, onde as relações sentimentais são "vitimas de guerra". Mas se há algo que eu reti dos poucos filmes que vi foi a sua invariavel propensão para o humor. Não um humor simplista ou forçado, mas sim uma espécie de sátira jocosa a essa mesma sociedade em que as suas personagens vivem o seu dia-a-dia. Nesse aspecto ele será irrepreensivel, e são de facto muitas dessas situações (em que eu simplesmente não aguentei o riso) que eu lembro em filmes como Annie Hall, ou Poderosa Afrodite. Foi assim com alguma expectativa que revi na ultima semana um dos primeiros filmes da sua carreira, que terá sido instrumental (quando o vi pela primeira vez há quinze anos atrás) para me distanciar deste realizador. E comprovei efectivamente que o tempo é capaz de alterar a nossa perspectiva e a forma como apreciamos um filme. "Sleeper" _ O heroi do ano 2000_ foge um pouco ao registo habitual do autor, embora muitos dos seus elementos narrativos habituais sejam reconheciveis, este filme passa um pouco por uma paródia dos muitos filmes de ficcão ciêntifica que estavam na moda no inicio dos anos setenta; uma comédia que relembra, por exemplo, os primeiros tempos do cinema mudo, e onde Allen é uma espécie de Chaplin do cinema sonoro. Não sendo propriamente uma obra prima, vale por umas boas gargalhadas e leva-me a repensar o meu interesse na obra deste realizador, não só pelo registo cómico (onde prefiro os trabalhos de, entre outros, os irmãos Zucker ou Mel Brooks, já referido aqui no bloog pelo João Eça). Deixo-vos com o trailer do filme.
Aqui, no blogg, já se falou de Jerry Lewis, Peter Bogdanovich, Irmãos Marx, Monty Python, Ed Wood, Star Trek, Little "Big" Sunshine, Odisseia no Espaço 2001 e outras comédias absurdas e/ou hilariantes. Por isso, aproveito agora para falar de um outro realizador que ainda não foi mencionado, mas que nem por isso deixa de ser muito importante. Melvin Kaminsky - ou Mel Brooks, como os fulanos de Hollywood preferiram. De origem polaca, este realizador fez carreira nos EUA como realizador, músico e actor de filmes de comédia. Tendo realizado alguns filmes que eu considero serem bastante bons, deixou-se em alguns casos levar também pelo grosseiro (que, a meu ver, reduz bastante a qualidade das obras). Ao contrário do que fiz noutros posts, irei falar mais particularmente dos seus filmes, deixando imagens e vídeos hilariantes.
Filmografia (por ordem cronológica):
The Producers (1968), a famosíssima sátira que conta a história de dois produtores da Broadway que querem levar ao palco a pior peça de sempre, com os piores cenários e actores de sempre, pretendendo com isso fugir aos impostos e acabar ricos. A peça escolhida é uma glorificação de Hitler e do Terceiro Reich, escrita por um antigo membro do partido nazi alemão. Mas os planos acabam por correr mal e a peça é um imenso sucesso...
THE PRODUCERS - SPRINGTIME FOR HITLER SCENE
The Twelve Chairs (1970), a história de um nobre russo que perde toda a fortuna durante a revolução de 1917, mas que consegue esconder uma fortuna em jóias dentro de doze cadeiras. O filme conta as desastrosas (e cómicas!) tentativas do nobre e do seu fiel criado de as recuperarem, mas os planos, obviamente, não correm de acordo com o planeado.
Blazzing Saddles (1974), um retrato nu e cru do oeste americano, em que o protagonista é um cowboy negro que, entre outras aventuras, é perseguido pelo Ku Klux Klan. O filme possui alguns momentos engraçados, mas há alguns gags que falham redondamente.
Young Frankenstein (1974), na minha opinião o melhor filme de Mel Brooks (e, curiosamente, dos poucos em que ele não entra como actor). O filme ridiculariza as obras de terror americanas, nomeadamente o Frankenstein (James Whale). Com algumas interpretações fantásticas.
YOUNG FRANKENSTEIN - TRAILER
Silent Movie (1976), a história de um realizador falhado que pretende restaurar o seu sucesso com uma ideia inovadora: fazer um novo filme mudo em plena década de setenta. Conta com actores como Paul Newman, James Caan, Marcel Marceau, Burt Reynolds, numa crítica esplendorosa ao sistema de Hollywood.
High Anxiety (1977), uma paródia aos filmes de suspense, com destaque para os filmes de Hitchcock (Vertigo, The Birds, Psycho...). O protagonista (Mel Brooks) vê-se envolvido numa falsa acusação e tem portanto que provar a sua inocência. Pelo caminho, é esfaqueado com um jornal no chuveiro, é atacado por um bando de pombos e tenta combater o seu medo das vertigens...
HIGH ANXIETY - BIRDS SCENE
History of the World, Part I (1981), história do mundo (satirizada, claro). Orson Welles é o brilhante narrador deste filme com momentos dignos de um génio, e outros completamente "secos". Destaco a cena da "Inquisição Espanhola".
HISTORY OF THE WORLD, PART I - THE SPANISH INQUISITION SCENE
Spaceballs, o pior filme de Brooks (1987), que tenta (sem sucesso) parodiar os filmes de ficção científica, como Star Wars e Alien.
Life Stinks (1991), uma das mais engraçadas comédias de Brooks, em que um milionário é vigarizado pelos seus empregados e tem que ir viver para as ruas, juntamente com os mendigos... É das poucas obras suas que mantém uma lógica integral (não a dividindo muito em gags, como os Monty Python).
LIFE STINKS - TRAILER
Robin Hood: Men in Tights (1993), caricatura da idade média e das histórias dos cavaleiros galantes. Possui alguns momentos engraçados.
Dracula: Dead and Loving It (1995), com Leslie Nielsen no papel principal. Um filme bastante cómico que satiriza de novo os filmes de terror. Último filme de Brooks (para pena minha).
DRACULA - ALMOST DEAD SCENE
É também de destacar a influência de Brooks na realização do filme To Be or Not To Be (1983), remake da comédia de Lubitsch. Brooks pretendia, na altura, gozar à grande e à francesa com o Hitler e tinha pensado fazê-lo com o filme History of The World, Part II. Mas viu então o filme original (1942) e achou que nenhuma obra conseguiria ridicularizar tanto o grande ditador. Por isso, decidiu "remakar" o filme e confiou o projecto a outro realizador (sabe-se lá porquê!). O que é certo é que o filme, embora não superando o original (como é óbvio!), não deixa de ser muito divertido.
Brooks colaborava frequentemente com os mesmos actores, incluindo a sua mulher Anne Bancroft, Dom de Luise, Madeline Kahn, Gene Wilder, Marty Feldman, Cloris Leachman e outros.
Em 2005 foi feito um remake do seu filme The Producers, também ele bastante bom.
E pronto, eis a History of Mel Brooks, Part I (e, podem ter a certeza, também não farei uma part II)!
Ontem depois da minha caminhada que se segue ao jantar (o coração assim o exige) atirei-me para o sofá e liguei a TV (que original). Fiz o zapping que o meu cromossoma Y (o dos homens) por vezes reclama e ao fim de pouco tempo, desliguei-me: dos concursos, das novelas, das europeias, dos desastres de avião e olhei para a mesa em frente e vi uma caixa de DVD. “What’s Eating Gilbert Grape? O tal filme que o José Pacheco já nos tinha aconselhado (ver post de 14 de Maio “O filme que não apresentarei”) e que por coincidência veio parar à minha mala depois da sessão da última quarta-feira.
Eu explico. Na confusão da arrumação das papeladas e depois de verificar se tudo fica ok na sala 44, este filme entrou na minha mala sem que eu tivesse decidido aceitá-lo. Depois das nossas “Partilhas Cinéfilas” ele sobrou. Isto é, ninguém o levou e eu fiz aquilo que se faz àqueles cachorros abandonados, leva-se para casa e espera-se que o dono apareça (quando aparece…).
Ao dizer isto não quero dizer que não gostaria de o ver nem que tivesse qualquer tipo de preconceito contra este realizador que anos mais tarde realizaria “Chocolate”. Acho que já passei essa fase. No entanto o facto de esta edição de DVD não ter legendas em português, era com certeza um contra. Mas ele estava ali em cima da mesa à minha espera, tal qual aqueles cachorros que olham para os humanos e imploram com o olhar: “não me fazes uma festa?” Enchi-me de coragem, liguei o vídeo, coloquei as legendas em inglês para funcionarem como bengala e dei por mim a fazer outro tipo de caminhada (igualmente boa para o coração…).
Este passeio ao lado da brilhante interpretação do ainda jovem Leonardo di Caprio, do já seguro Johnny Depp e a história de amor entre estes dois irmãos tocou-me do princípio ao fim do filme. Paralelamente a forma elegante como o realizador nos convida a descobrir as relações e os problemas daquela família nas duas horas de filme, deixaram-me fascinado e dei comigo a usufruir das vantagens que os homens têm de também ter o cromossoma X…
No final fiquei feliz por ter aceite este convite inesperado do acaso e de ter conseguido resistir ao preconceito que por vezes temos tendência a impor a nós próprios.
Que faz de um certo actor um ídolo da juventude da sua época? Que faz de um actor uma referência cultural incontornável para toda uma geração? Hum, vejamos... Poderia esperar-se que fosse, primeiramente, o facto de se tratar de um bom actor; mas é evidente que isso não basta. Não só não basta como, muitas vezes, nem é um requisito.
James Dean era, esse sim, de facto, um excelente actor: mas suspeito que os jovens viam nele sobretudo o rebelde sem Causa, o miúdo cheio de energia e talento, que os desperdiçava numa busca desenfreada de adrenalina, o marginal, o incompreendido, até o carente sempre em luta com os adultos que ele só queria amar, mas o desprezavam e oprimiam; e, finalmente, o belo rapaz que, tendo morrido cedo e de um modo trágico, ficaria na memória de todos como o que não chegou a envelhecer e a degradar-se.
Outros, nem sequer eram bons actores.
A minha geração veio a ser estranhamente marcada por um sujeito que nunca soube nem tentou saber representar. Alguns realizadores usaram-no até, precisamente, para aproveitar a sua tenebrosa ausência de expressão - e é verdade que como gélido robô, por exemplo, chegava a arrepiar. Mas o que fazia dele um homem com uma presença tão impressionante no ecrã? Ok. Tinha a sorte de possuir um rosto enigmático, que culminava numa perturbadora calvície. Yul Brynner, se chamava ele: e penso que não tem a menor ligação com Nicolau Breyner.
Da mesma forma, essa geração teve como um quase ídolo, durante bastante tempo, um tipo particularmente feio, muito baixo e com pescoço de galinha, cujo bigode os machões lusitanos tentavam copiar. Charles Bronson? Deus do céu: que raio viam as garotas nele?!
Não poderia terminar este post sobre actores que foram marcantes na minha juventude, ainda que não tivessem sido grandes ases da representação, sem sublinhar, agora pela positiva, dois casos de sujeitos que viriam a reabilitar-se inesperadamente - e de que maneira!!!
Para já, esse que começou por se tornar o rei dos cow-boys, com um punhado de spaghetti westerns - alguns, por acaso, até com alguma graça... -, mas sem nada de mais mencionável como actor para além da sua figura seca, associada a um tosco chapéu e um charuto; que passaria, depois, pelo fado de construir a personagem de um polícia fascizante, o inacreditável Dirty Harry; tudo isso antes de fazer de si simplesmente (e meço todas as minhas palavras) um dos melhores realizadores contemporâneos: o extraordinário Clint Eastwood, frequentemente genial. Vejam Gran Torino, caso duvidem de mim.
Outro: John Travolta. Quem diria, naqueles tempos de febres de sábado à noite ou de brilhantinas, que, por trás do bailarino irrequieto e vazio, um actor a sério aguardava a sua vez para, muito mais tarde, muito mais maduro, vir a ser redescoberto e posto a brilhar...?