segunda-feira, 8 de junho de 2009

MONSIEUR HULOT

A comicidade dos filmes de Jacques Tati (para não deixar cair em saco roto o desafio do Francisco) contém, como ilustre antecessor na sua árvore genealógica, o burlesco do cinema mudo: tratava-se de, em torno dos Keystone Cops ou de Charlie Chaplin, por exemplo, mas assumindo em Buster Keaton um parente especialmente íntimo e querido, reconstituir uma linguagem cinematográfica - mas agora por opção, não já por razões que se prendem com o próprio estado de evolução técnica do cinema - em que o protagonista usa o corpo em vez da fala.
Imediatamente identificado por um conjunto de sinais fixos, típicos da composição do palhaço pobre (na personagem de Tati, Monsieur Hulot, esses sinais eram o chapéu, o cachimbo, a gabardina e umas calças anormalmente curtas, do mesmo modo que em Charlot eram o bigode, o coco e a bengala ou os óculos e o chapéu de palha em Keaton), ele aparece como um homem em permanente luta contra um mundo adverso e implacável, que nada mais é, frequentemente, senão o mundo criado pelos que o rodeiam, arrogantes, insensíveis, vaidosos («o inferno são os outros», dizia Sartre), mas tem, outras vezes, o contorno chaplinesco de um «mundo moderno», todo ele feito de máquinas que se esperava que fosem o último grito no progresso científico-tecnológico e, porém, se revelariam estruturas devoradoras e ridículas, que convidam, em mãos inábeis, ao desastre, provocando as mais hilariantes situações de puro nonsense.

Quando pela primeira vez vi um filme de Jacques Tati - Playtime -, confesso que me senti distante desse tipo de humor. Era um humor demasiado físico e mudo para o gosto de um adolescente como eu, cada vez mais adepto da réplica rápida, do sarcasmo, enfim, do cómico produzido não só pelo efeito do corpo desajeitado de uma pessoa entre indivíduos e objectos de um mundo insensível mas, sobretudo, pela graça do próprio discurso. Os meus comediantes preferidos eram, aí, Woody Allen e Peter Sellers - que cheguei a ver juntos em filmes como What's New Pussycat?, ainda com Peter O'Toole...

Mais tarde, tive a oportunidade de assistir a Mon Oncle, o meu Tati predilecto: e, a partir daqui, irresistível e luminosamente, foram-se-me abrindo portas para um humor carregado de referências e piscadelas de olho cinéfilas, que, de algum modo, se ligava não só a Chaplin e Keaton, mas, até pela sua invisível raiz comum, aos meus cómicos preferidos, os já referidos Allen e Sellers. Nos primeiros filmes de Allen (estou a pensar em Bananas e Sleeper) estamos perante um Monsier Hulot norte-americano, tal como em The Party nos encontramos diante de um Monsieur Hulot inglês travestido de actor indiano em busca de adaptação a um meio cruel e snob. Ou seja: o humor é, no cinema - americano, inglês, francês, e esta ordem é perfeitamente arbitrária e está longe de ser exaustiva -, uma linguagem onde tudo se conecta e reencontra, as mais díspares e estranhas vias, a partir de fontes comuns...

3 comentários:

  1. Como já disse noutro comentário, parece-me que o Jacques Tati está bastante ultrapassado ou, como o professor José Pacheco, pode ser que venha a gostar dele daqui a uns anitos...

    ResponderEliminar
  2. Desconhecia a obra deste actor/realizador. Já vi alguns clips no youtube e curiosamente lembra-me a personagem que o Rowan Atkinson interpretava na televisão Britanica, o celebre "Mr. Bean".

    ResponderEliminar