segunda-feira, 14 de maio de 2012

PARIS, TEXAS SEGUNDO UMA CERTA FORMA DE O SENTIR

É às vezes evidente que as discussões podem não servir para convencer o outro.
É o caso desta.
Também é evidente que a razão e a importância para se aceitar uma posição, em detrimento da sua contrária, começa a perder-se de vista. Talvez nunca existisse. "Paris, Texas" é um grande filme, veja-se como o Francisco o vê ou veja-se como o vejo.
E, no entanto, vale a pena continuar o debate. Não para lançar a última palavra, não para convencer, muito menos para "vencer", mas porque me parece pedagógico mostrar até que ponto a mesma obra pode tocar sensibilidades de maneira diversa; do meu ponto de vista, não interessa saber quem tem razão: nenhum provavelmente a tem, pelo menos em definitivo, e nem é disso que se trata. Mas é interessante entender-se que há, e até que ponto há, captações múltiplas, incidências diversificadas, interpretações diferentes, que se acrescentam e complementam, mesmo quando se contradizem.

Deixem-me pois voltar ao pomo: aquilo a que o Francisco chama a "essência universal" é, tão só, uma parte da história. Francisco refere-se à narração simples e quase linear, que escutamos pela voz de uma personagem, e que é, a seguir, continuada pela outra. Constitui um momento no todo da história, o recordar de um passado comum a um homem e a uma mulher, que se reencontram, ao fim de muitos anos, separados por um vidro. Podíamos reduzir essa história a pouco mais do que esta evocação: jovens encontram-se, apaixonam-se, ele sente ciúmes violentos, ela sente-se prisioneira, e por aí fora. Claro que, nestes termos [e narrada na voz de uma ou da outra personagem, isto é, sem estarmos a ver os acontecimentos], esta história é universal. Acontece é que, para mim, "esta história" não é a essência do filme. É um esquema; um mero esquema, uma linha dentro de um filme mais vasto e mais complexo, com muitas linhas mais. É um momento que não pode ser isolado do conjunto.

Mas até esta linha me interessa no concreto dos seus pormenores, se não, nem valia a pena contá-la. Dezenas de pessoas podiam apropriar-se dela, apresentando, porém, histórias completamente diferentes umas das outras. A partir do momento em que se pega num esquema linear, e se começa a preenchê-lo, a enriquecê-lo, representando-o com personagens concretas (não "um jovem", mas o senhor A, não "uma jovem", mas a menina B), definindo-lhes psicologias, procurando modos específicos de elas expressarem os sentimentos, tal "universalidade" [que, para mim, é uma pura abstracção: é ainda quase nada], tal "universalidade" vai ganhando peso, ecos, impressões, ressonâncias várias, particulares, informadas por uma cultura, por um espaço, por um modo de estar e de viver. São pormenores? Mas este filme é um filme de pormenores; mas, neste filme, os pormenores fazem o filme, "são" o filme.

Tenho razão? Não tenho: só uma maneira de sentir o "Paris, Texas", sem a qual "Paris, Texas" já não é o "meu" "Paris, Texas".

1 comentário:

  1. Verdadeiramente, a discussão resume-se ao seguinte: neste filme, diz o Francisco, "interessa-me" isto, e leio isto da seguinte maneira. Ao que eu respondo: no filme, a mim, "interessa-me" aquilo. Isto não anula aquilo, nem aquilo anula isto. Ambos estão lá, e cada um sente o filme de acordo com os seus focos de interesse. Os gostos discutem-se, às vezes, só mesmo para isso. Para apontar possíveis e diversas chaves. A mim, a universalidade da história importa-me menos - até porque essa, precisamente, pode ser encontrada mesmo numa telenovela medíocre. A riqueza que sinto neste filme, e a distingue da mesmíssima história, mas contada de outra maneira, por um Brasileiro ou por um um Português, é um núcleo abolutamente Norte-americano (Sam Sheppard) mediado pelo fascínio de um Europeu (Wenders).

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