As pessoas ter-me-ão, porventura, tomado demasiado à letra quando eu afirmava que, na minha opinião, a maioria das peças teatrais não deveria ser transplantada para o cinema. A ênfase desta afirmação, deliberadamente polémica, teria de ser posta em «na minha opinião», «a maioria» e «transplantada»: eu sei que há, como se me respondeu, diversos casos de sucesso na adaptação de argumentos teatrais; eu sei que tudo depende de «quem o faz», e que «às vezes sai bem e outras sai mal». Quis, sobretudo, chamar a atenção para que a afinidade entre as duas linguagens, o teatro e o cinema, tem limites. Há mais do que algumas características diferentes entre as duas, há uma natureza diferente, embora sejam ambas artes de representação. Mas, em última análise, mesmo a representação que se espera dos actores no teatro, mais artificial e grandiloquente, deve ser evitada em cinema. Não é essa uma das razões pelas quais não gostamos de ver actores de teatro, com a sua voz bem colocada e altissonante, com o gesto demasiado artificial, típicos do palco, representando papéis de uma forma que, no cinema, nos soa sempre cabotina?
Isto dito, não ignoro o que o cinema deve ao teatro.
Por exemplo:
Um encenador e teórico russo da dramaturgia, Stanislavski, foi o inventor, para teatro, de um método de representação que viria a ser adoptado com enorme sucesso por uma escola de cinema de Nova Iorque, que fez História: ensinava uma série de regras para a encarnação da personagem, dotando os actores de meios eficazes para sentirem as emoções que deveriam representar. Era uma fórmula exigentíssima e rigorosa que, levada ao extremo - como, aliás, segundo Stanislavski, devia sempre ser levada - podia conduzir os espíritos mais frágeis à loucura. Mais do que vestir um papel como quem veste um fato que se deixa, depois, no cabide, o que Stanislavski propunha era uma pesquisa aturada e uma observação minuciosa do carácter a ser representado, seguidas de um autêntico mergulho, do actor, ao fundo de si mesmo e das suas emoções pessoais, de forma a encontrar os elementos de uma identificação absoluta da pessoa-actor com a personagem-tornada-pessoa...
No cinema norte-americano, o método de Stanislavski, que viria a ser popularizado simplesmente como «o método», foi ensinado na tal escola nova-iorquina, o célebre Actor's Studio, (que era a cisão de um grupo de teatro fundado por Elia Kazan, entre outros; o Actor's studio viria a ser ditatorialmente dirigido pelo rebelde Lee Strasberg, na foto: já agora, clique, aqui, sobre este nome...) estúdio de actores esse que formou, ou até: que fez alguns dos mais perfeitos actores da História do cinema americano.
Isto dito, não ignoro o que o cinema deve ao teatro.
Por exemplo:
Um encenador e teórico russo da dramaturgia, Stanislavski, foi o inventor, para teatro, de um método de representação que viria a ser adoptado com enorme sucesso por uma escola de cinema de Nova Iorque, que fez História: ensinava uma série de regras para a encarnação da personagem, dotando os actores de meios eficazes para sentirem as emoções que deveriam representar. Era uma fórmula exigentíssima e rigorosa que, levada ao extremo - como, aliás, segundo Stanislavski, devia sempre ser levada - podia conduzir os espíritos mais frágeis à loucura. Mais do que vestir um papel como quem veste um fato que se deixa, depois, no cabide, o que Stanislavski propunha era uma pesquisa aturada e uma observação minuciosa do carácter a ser representado, seguidas de um autêntico mergulho, do actor, ao fundo de si mesmo e das suas emoções pessoais, de forma a encontrar os elementos de uma identificação absoluta da pessoa-actor com a personagem-tornada-pessoa...
No cinema norte-americano, o método de Stanislavski, que viria a ser popularizado simplesmente como «o método», foi ensinado na tal escola nova-iorquina, o célebre Actor's Studio, (que era a cisão de um grupo de teatro fundado por Elia Kazan, entre outros; o Actor's studio viria a ser ditatorialmente dirigido pelo rebelde Lee Strasberg, na foto: já agora, clique, aqui, sobre este nome...) estúdio de actores esse que formou, ou até: que fez alguns dos mais perfeitos actores da História do cinema americano.
De Dean e Brando a Newman e Jane Fonda ou, mais recentemente, de Pacino a De Niro ou a Hoffman, é fácil percebermos que estamos perante indivíduos de uma mesma escola de actor: são aqueles que aprenderam a prescindir praticamente da caracterização, aqueles que, em vez de «parecerem» mais gordos preferem engordar efectivamente para compor uma certa personagem (como o caso óbvio de o Touro Enraivecido), aqueles que não fingem afogar-se para uma cena mas, ao invés, vivem de forma absoluta e traumática a experiência do afogamento, aqueles que não representam a paixão mas a experimentam genuína e convictamente, buscando em si todos os recursos afectivos e emocionais para darem corpo ao sentimento requerido, numa abolição de todas as fronteiras e distanciamento entre si e a figura que compõem.
Portanto, é evidente que, quando penso que o teatro e o cinema são línguas diferentes, não estou a dizer que não haja pontes, ligações, aproximações, passagens, influências, traduções. Muitas? Eu sei. Algumas excelentes? Eu sei, eu sei...
Portanto, é evidente que, quando penso que o teatro e o cinema são línguas diferentes, não estou a dizer que não haja pontes, ligações, aproximações, passagens, influências, traduções. Muitas? Eu sei. Algumas excelentes? Eu sei, eu sei...
Para desanuviar um pouco do meu post: quando Hoffman e Olivier entraram no Marathon Man (John Schlesinger), o primeiro (ainda jovem actor, quase inexperiente) perguntou ao segundo (um autêntico bastião do teatro e cinema inglês) como é que ele conseguia uma actuação tão esplêndida. Ao que Olivier respondeu: "Pois, meu amigo, é que, ao contrário de si, eu represento."
ResponderEliminarÉ claro que um actor de teatro tem uma forma de representar totalmente diferente de um actor de cinema. Eu concordo com o professor Pacheco: Eu não gostaria nada de ver um bom de actor de cinema a representar como se estivesse num palco de teatro. Simplesmente não cola. São duas formas de representar totalmente distintas. Como qualquer jovem da minha geração, eu vou ao cinema com muito mais frequência do que ao teatro. No entanto, com as poucas peças que já vi, posso afirmar que gosto bastante mais do cinema! Porquê? Acho que é fácil de perceber :)
ResponderEliminarProfessor, posso perguntar-lhe como é que coloca as etiquetas nos seus posts?
ResponderEliminareu não consigo dizer se gosto mais de cinema ou teatro. no que conta à representação, eu aprecio todos os géneros (desde que bem representados, obviamente): de shakespeare a tenessee williams, dos filmes de godard aos actores do método). temos é que ver que um filme oferece muito mais possibilidades do que o teatro, podendo envolver milhares e milhares de pessoas (actores, figurinos, músicos, editores, técnicos de todos os tipos, costureiros, arquitectos...). e se, por um lado, nada me fascina mais que o difícil trabalho de um realizador, também é verdade que para mim é uma alegria quando estreia uma boa peça no TNDM II.
ResponderEliminarquando uma peça de teatro é adaptada ao cinema, está claro que os actores têm que mudar o seu estilo de representação. e é aí que se prova a versatilidade ou não de um actor (o que não significa que se perca algum crédito por só se ter jeito para o teatro ou para o cinema, nada disso).
vários actores, como o laurence olivier ou o paul scofield (e menciono dois que já tinham sido referidos por mim), eram extraordinários tanto no cinema como na televisão. são apenas características pessoais, que não reduzem a qualidade de ninguém (como os actores do cinema mudo que não se adaptaram ao sonoro, e etc...)
ResponderEliminarÉ exactamente o que eu penso. A arte tem uma infinidade de possibilidades e há que aprender a fruí-las todas na sua diferença, sem esperar nos preocuparmos muito que tenha de ser possível que o que faz sentido na música ou teatro, tenha de o fazer por força também no cinema, na pintura ou na dança.
ResponderEliminarJá agora uma curiosidade: sabiam que Jean-Paul Sartre, apaixonado pelo cinema da sua adolescência (mudo) ficou desgostosíssimo com o aparecimento do sonoro e lhe vaticinou uma morte rápida? Porque, dizia ele, sem recurso à voz, os actores têm de se empenhar na expressividade, o rosto e a expressão do rosto tornam-se, eles próprios, a grande voz do actor. Se, pelo contrário, o deixássemos falar, todo o seu trabalho como actor se perderia. Sabemos, hoje, que não tinha razão, o grande reaccionário. Não deixa de ser um argumento engraçado, pois não?
E não me interpretem mal: a caracterização que fiz do actor de teatro, de voz altissonante e gesto artificial, não significam que eu não goste de teatro. Sou um apaixonado. Essa «artificialidade» não é negativa é... teatral!!! E, para que conste, representei, nos meus tempos de estudante universitário, entre outras coisas que retenho menos, À Espera de Godot. (Oxalá ninguém ache esta obra uma seca tão grande como acharam o 2001!)
ResponderEliminareu gosta bastante de beckett (embora seja muita feio)
ResponderEliminarJunto-me aos vossos comentários como mais um apologista da variedade de estilos na sétima arte. Também aprecio essa teatralidade presente em tantas obras cinematográficas de outros tempos, que longe de ser um inconveniente, é uma imagem de marca e de referencia, isto sem menosprezar o "metodo" introspectivo de interpretação que os actores hoje em dia preferem. Mas o cinema, como tudo na vida , também evolui. Nós só ficamos a ganhar com o leque variado de possibilidades á nossa disposição, desde essas joias do cinema mudo (alguns dos quais relembrei ou descobri aqui no blogg) até ao cinema que se faz hoje em dia.
ResponderEliminarE quando digo que o cinema "evolui" não me estou a referir ao sentido litral implicando uma alteração para melhor, mas sim uma mudança como fruto de uma geração nova e de formas diferentes de pensar e fazer cinema. Na verdade muitos dos meus actores favoritos incluem tanto os colossais Wayne, Heston e Stewart, como também os camaleonicos DeNiro, Pacino e Daniel Day Lewis.
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