domingo, 24 de maio de 2009

THE BEST SELLERS

Revejo-o nesse prodigioso meio tanto para os maiores disparates como para os mais impressionantes e comoventes registos da memória colectiva, que é o youtube: aparece numa entrevista, feita nos anos sessenta, a preto e branco; vai fumando um cigarro enquanto responde, porque, nessa década da revolução de todos os costumes, não pareceria falta de respeito que o entrevistado de um programa televisivo se relaxasse, durante o programa, recorrendo ao tabaco. (Lembremos que o tabaco era, até, a mais inocente das substâncias que estavam na moda...). Na verdade, percebemos que o indivíduo se esconde atrás do fumo do seu cigarro, numa rígida timidez própria de um cidadão da Grã-Bretanha.
Noutro vídeo, vejo-o em conversa com os Beatles, estes com a arrogância típica de vedetas que principiavam a impor-se, ele com a mesma postura inibida a que nos habituou nas suas aparições sociais, fazendo humor como se pedisse desculpa ou rindo com gargalhadas pouco espontâneas.

Olhando para este homem discreto e tímido, não posso deixar de me perguntar que misteriosa força se apoderava dele no momento em que, como actor, vestia as mais variadas personagens e, sobretudo, conseguia assumir plenamente aquelas que tinham características mais distantes das suas próprias características psicológicas e até físicas...

É evidente que o recordo como inspector francês trapalhão (Clouseau), na série de filmes em torno do roubo de um diamante chamado Pantera Cor-de-rosa, série que, se mais não tivesse feito, mereceria um lugar na História do Cinema por ter criado, para o genérico, aqueles sketches de animação com um felino realmente cor-de-rosa, que depressa se autonomizaria como personagem própria em filmes próprios.

Mas recordo-o, principalmente, no papel de um jovem actor indiano que, tendo praticamente arruinado uma filmagem e acabado despedido, se vê confrontado com um inesperado convite para uma festa (que arruinará igualmente...), numa sucessão de gags hilariantes que são, também, um tratado de psicologia acerca do que sofre alguém à margem da norma, que só quer integrar-se e ser aceite num grupo.

Inspector francês? Actor indiano? E, então, como detective chinês num filme em que contracena com Truman Capote himself? Ou como cientista germânico, com uma série de inocultáveis tiques nazis? Ou mesmo como agente da Gestapo, óculos & bigode, chapéu de feltro & gabardina? A facilidade com que vestia características, numa polivalência de vozes, sotaques e gestos, femininos ou masculinos, fizeram dele um actor de uma plasticidade espantosa, de uma capacidade de metamorfose que assombra...

E se o seu registo na comédia é incontornável, não esqueçamos os papéis que desempenha no limite do dramático, como quando faz o enigmático, perverso e neurótico Quilt, movendo uma obsessiva perseguição a Humbert Humbert (James Mason), em Lolita, de Kubrick.

Foi tal plasticidade, aliás, que levou a que alguns realizadores tivessem descoberto a possibilidade de o fazerem ser diferentes - e muito diferentes - personagens num mesmo filme: há, e diversos, em que Peter Sellers salta de papel em papel, quase irreconhecível na composição de certos caracteres. Por exemplo, em - do mesmo Kubrick - Dr. Strangelove.

Por isso, camaradas cinéfilos, quando virem sendo entrevistado um gentleman britânico pouco expansivo (se excluirmos, é claro, o pormenor do cigarro), não se deixem enganar. Talvez fosse também uma personagem cómoda e pouco trabalhosa para um genial Peter Sellers...

1 comentário:

  1. eu tenho os filmes todos da pantera cor-de-rosa (blake edwards) que posso levar para a TROCA, se alguém desejar. tenho também um filme intitulado EU, PETER SELLERS, que conta a história da sua vida. é um filme interessante e bem-feito (e muito cómico), onde o Geoffrey Rush tem um papel extraordinário a fazer de Sellers. também posso emprestar...

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