Eu tenho quinze anos. Portanto, não sou do tempo dos cinemas gigantes nem do já aqui homenageado Quarteto. Mas posso afirmar que tive a minha quota de cinema. E a homenagem, enfim... é mais falar-vos de, e não homenagear (as poucas linhas que aqui escrevo nem a prisão de sing-sing homenageavam), que quero aqui prestar é à Cinemateca Portuguesa, Museu do Cinema. É certo que este outrora estabelecimento em voga, entrou muito em decadência. É certo também que a culpa foi do senhor João Bénard da Costa e, em última análise, do Estado, que o manteve em funções muito mais tempo do que devia. E a Cinemateca falhou muito em atrair novas audiências. Assim, sempre que vou a uma sessão, lá estão as mesmas velhas caras de sempre. O anãozinho, a senhora das pernas tortas, o homem que parece o Saramago, o nosso querido José Augusto França, o homem que grita durante os filmes, o feioso, entre tantos, tantos outros. E, de vez em quando, um grupo de miúdos da faculdade de cinema. E é certo que as cópias, muitas vezes, deixam muito a desejar. Lembro-me de ter visto filmes em cópias miseráveis, em que havia até saltos nas bobines.
Mas chega de coisas más. Para mim, a Cinemateca será sempre o meu altar sagrado, o local onde eu descobri o cinema. E recordo-me, como se fosse ontem, da primeira vez que entrei naquele corredor comprido, repleto de pessoas com ar chique (na altura, 1998, ainda lá iam pessoas chiques), com as paredes repletas de Gary Coopers e Marlene Dietriches, e Charlton Hestons e Audrey Hepburns, e de quando entrei naquela sala enorme e me sentei em frente ao ecrã onde começavam a projectar La Belle et la Bête (A Bela e o Monstro) de Jean Cocteau. Aquele filme maravilhoso a preto e branco, com as figuras flutuando e os braços surrealistas saindo da parede... E o monstruoso Jean Marais e a maravilhosa Josette Day... Fiquei deslumbrado. Era a primeira vez que via algo de tão único no cinema, algo de absolutamente excepcional. Descobria um cinema diferente dos filmes de animação a que estava habituado e dos filmes comerciais da altura. E com os meus quatro anos, soube que o cinema era para mim um deus. Aquele foi, no fundo, o meu baptismo.
A BELA E O MONSTRO (1946), Cocteau
Desde esse dia, tenho tido memórias boas e menos boas da Cinemateca, mas nunca más o suficiente para dela me afastarem. Ainda tenho presente o dia em que a Claudia Cardinale foi homenageada e passaram o Vaghe stelle dell'Orsa. E aquela simplesmente bela mulher ficou sentada atrás de mim. E, no final, o devido autógrafo...
E foi na Cinemateca que o meu gosto pelo cinema se dilatou e que o conhecimento também. Ali vi filmes dos primórdios do cinema e filmes do meu tempo, como o Le Voyage dans la Lune (1902), de Méliès, ou o Dead Man (1995), de Jim Jarmusch. Ali conheci o western esparguete, as comédias de Lubitsch, o terror de Carpenter, o cinema soviético, a vanguarda francesa, os épicos dos anos cinquenta, os musicais de Minnelli, os dramas de Kazan, as obras-primas de Welles, o expressionismo alemão, o mestre Cassavetes, o cinema de Fassbinder, enfim... é impossível explicar o que eu absorvi das minhas idas à Cinemateca, guiado sempre pelo conhecimento de meu pai ou de minha mãe.
UM AMERICANO EM PARIS (1951), Minnelli
E fica o imenso que aprendi... mas também a memória desses sábados loucos em que ia a três sessões por dia, correndo à procura de restaurante na avenida da liberdade, sempre que acabava um filme... e antes de começar o seguinte.
Esta é a minha pequena homenagem ao nosso pequeno museu do cinema. Resta-me esperar que voltemos lá com o clube de cinema e que, possivelmente, o meu fascínio por esta casa se transmita a outros membros.
CINEMATECA
CINEMA: O PODER DO CÃO
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Hmm, já homenagearam o Quarteto e a Cinemateca, verdadeiras instituições do cinema em Portugal mas estão-se a esquecer do enorme Dolce Vita Miraflores... xD Estou a brincar, claro.
ResponderEliminarFalando a sério, já te disse, Eça, para me informares quando houver um filme que valha a pena ver ao Sábado ou ao Domingo na Cinemateca. Também acho que o Clube de Cinema devia organizar uma ida à Cinemateca para vermos um filme. Provavelmente será uma visita para o próximo ano mas é uma ideia bastante interessante.
Bolas Eça, este teu texto dá vontade de voltar atrás e em vez de aos 7 anos fazer birras para ir a museus todos os sábados, fazê-las para ir à cinemateca(e ainda aos museus aos domingos).
ResponderEliminarE é engraçado falares no "La Belle et la Bête", por acaso vi uma exposição há uns tempos sobre esse filme e sobre o senhor Marais. Curioso, hein! Fiquei a conhecer assim, um pouco mais tarde, a figura.
ResponderEliminarExtraordinária evocação do nascimento do amor de uma criança pelo cinema. E até a descrição da decadência da cinemateca se torna deliciosa e, no seu registo felliniano, profundamente cinematográfica também.
ResponderEliminarAdorei este texto sobre a tua paixão pela Cinemateca e pelo Cinema. Os textos positivos têm este fascínio especial de nos fazer lembrar que a vida é bela.
ResponderEliminarO Clube de Cinema vai voltar à Cinemateca...