SE CALHAR ISTO NÃO INTERESSA SENÃO A MIM, MAS...

Não me lembro do primeiro filme que vi na vida. Lembro-me, isso sim, da aventura que foi o meu primeiro filme «para maiores de dezassete anos».
Em primeiro lugar, porque não teria dezassete anos, mas entre os treze e os quinze; não quero ser aqui politicamente incorrecto, mas sentia haver naquela transgressão, pacificada pelo apoio da minha mãe, que ia comigo, a responsabilidade própria de um rito de iniciação.
Escureci o buço com um lápis de sobrancelhas e levava, na transparência do bolso da camisa em casca de ovo, «à senhor», um maço de cigarros. Não fumava na altura e continuei a não fumar: mas eram sinais que esperava que não deixassem dúvidas ao porteiro sobre que eu seria um jovem com todo o direito a entrar e, depois, a seguir pelo corredor da sala escura, atrás da lanterninha do senhor que nos indicaria os lugares. (Os mais velhos lembrar-se-ão desta figura que os cinemas perderam).

Também não consigo lembrar-me do nome do filme. Era inglês, andava em torno de uma rainha que teria mandado matar autênticas multidões para se afirmar no trono; teria talvez Vanessa Redgrave no principal papel, mas posso estar a amalgamar vários filmes sobre rainhas; havia um jovem desconhecido que me impressionou vivamente pelo brilhantismo da sua representação como príncipe-consorte traidor.
Voltei para casa a pensar: «Caramba! Hei-de ser actor de cinema...»

Não perdi a esperança!