Poder-se-ia, com toda a seriedade, contrapor a alguns dos elementos constantes de uma demonstração da fragilidade de 2001: Odisseia no Espaço, num anterior post de Eça, estes outros elementos de sinal contrário: o «olho vermelho» de Hall, na sua frieza e fixidez de componente de uma super-máquina, que vigia e controla sem qualquer expressividade, longe de ser uma perda de tempo na economia dramática do filme, funcionaria como um factor de distanciamento, com uma intensidade hipnótica e perturbadora; a tão referida cena dos macacos (que, em boa verdade, não são macacos, mas hominídeos) é notável, não em comparação com cenas similares de outros filmes, mas na reconstituição dos medos e da agressividade em que a sua vida é vivida: o olhar já, de alguma forma, humano de um deles, no escuro da gruta, atento aos sons da noite, que o ameaçam e apavoram, numa evocação da expressividade dramática de algum cinema mudo, parece-me particularmente feliz; e por que haveria de ser, a ausência de diálogos, um empobrecimento do filme se, precisamente, se trata de os substituir por um ambiente em que a lentidão dos gestos e o silêncio ganham um papel central? O próprio intervalo entre as cenas, sincopando o filme, não deixando que este seja tomado como um fluir de imagens, para que, pelo contrário, se exponha como um movimento onde a ruptura e o sobressalto têm uma função quase simbólica, não poderia ser uma opção estética perfeitamente compreensível para este filme? Por outro lado, já defendi que, em 2001: Odisseia no Espaço, o argumento se torna irrelevante. Mas não é verdade que até este contém pontos de uma força quase magnética - por exemplo, em torno das cenas que conduzem a luta, que tanto assombrou os espíritos da geração de 60, entre a inteligência humana e uma poderosíssima inteligência artificial?
Retomo estes exemplos para ilustrar a minha posição:
Quando afirmo que os gostos se discutem é, precisamente, no sentido, muito caro a este clube, de que não há uma fundamentação última e definitiva do que «vale» um filme: seres inteligentes fazem interpretações diferentes e gostam diferentemente das obras com que se confrontam.
Em última análise, até penso que nem sempre os gostos podem ser traduzidos em razões: o coração tem, como sabemos, as suas razões próprias; assim, a argumentação só se torna importante porque, afinal, queremos que o outro compreenda o que nos entusiasma ou afecta num certo objecto. É principalmente por isso que importa tentar encontrar as razões e os argumentos mais convincentes - mas, quanto a mim, sem esquecer que nem sempre a passagem se faz facilmente entre estes dois planos: o do gosto, que é, no fundo, subjectivo e silencioso, e o das razões intelectuais que o justificariam...
Também já disse que, na minha perspectiva, os gostos se discutem até certo ponto. Em primeiro lugar, pelo que acabei de escrever no parágrafo anterior: há um limiar de inexplicabilidade no modo como algo toca à sensibilidade de cada um. Em segundo lugar, porque se o que afirmamos, quando dizemos que os gostos se discutem, é que tudo é mera opinião e, nessa medida, todas as opiniões valem e se equivalem, teremos de admitir a total relatividade de que não há senão a diferença de gostos para decidir se Bach é melhor do que o Quim Barreiros.
E, porque, para mim, isso não é discutível - mesmo que haja quem goste de Quim Barreiros e deteste Bach -, em tudo se torna importante o estudo, o conhecimento e o rigor...
CINEMA: O PODER DO CÃO
Há 2 anos
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