sábado, 23 de maio de 2009

Agora com mais tempo...

Agora finalmente com mais tempo apetece-me rebater várias das opiniões formuladas pelo meu amigo Eça no seu texto (prefiro este termo a post) intitulado “Pequeno Post sobre Uma (demasiado) Grande Odisseia” publicado em 21 Maio.

Utilizando a conhecida e bonita frase “A Arte é a Ciência das emoções” o Eça extrapola para esta maravilha: “O Cinema é uma ciência” e claro, não contente com isso, quem é o cientista que nos vai explicar tudo? O Eça, claro. E vai fazê-lo de maneira a “justificar cientificamente”. Quando se justifica algo cientificamente, na física e na matemática por exemplo, existe a possibilidade de poder ser contestada esta evidência? Evidentemente que não, pelo menos nos séculos mais próximos… Portanto está encontrada a verdade científica: a opinião do Eça. Ora, fazer crítica de arte (ou de cinema) não é a mesma coisa que resolver e demonstrar um interessante problema matemático. E daí o titulo do nosso blogue: “Gostos Discutem-se”

“E não me venham com a lengalenga já pisada e repisada do: "Gostos discutem-se!" diz o Eça. Precisamente o contrário. A lengalenga que eu conheço (e que combato) mais é: “Gostos não se discutem”. Mas o Eça continua: “não podemos usar essa frase (“Gostos Discutem-se”) como justificativo para não reflectirmos sobre os nossos dogmas pessoais. Se assim fosse, de que serviriam os críticos de cinema e de arte em geral?” Então os gostos têm que se discutir, digo eu. Sem terem que ser impostos, claro.

Depois continua com Essa frase, que simboliza a individualidade democrática do nosso século, pode ser também muito perigosa. Se fulano X se dirigir ao pé da Escola de Atenas, de Rafael, ou à Madona dos Rochedos, de DaVinci, e disser: "Isto não vale nada!", então a nossa democracia corre o risco de se tornar o regime da ignorância e da anulação do pensamento e do intelecto.” Claro que sim, digo eu. Quando se fala em discutir os gostos não se trata de questionar a grandiosidade, por exemplo, de um quadro como “A Guernica” de Picasso, mas de o discutir, investigar, para o compreender melhor. E já agora, que estamos em matéria de enaltecer as grandes obras consideradas como clássicas, então por quê questionar o valor de “2001: Odisseia no Espaço” como faz o Eça, considerado quase de uma forma unânime como um marco na história do cinema? Um pouco incoerente…

Depois segue-se um enunciado de explicações por itens: do 1 ao 9 (estranhei não ter sido utilizada a já conhecida notação decimal uma das mais utilizadas do ponto de vista científico…)

Destaco por exemplo a 3.ª: “Caracterização - Fraca. Os macacos parecem homens numa gabardine. E é preciso lembrar que nesse mesmo ano surgia o filme Planet of the Apes, espectacularmente bem feito, e com um orçamento muito, muito, muito menor.”
Para ilustrar esta comparação convido-vos a ver um pedaço de Planet of the Apes





Então estas gabardinas tinham um estilo mais apresentável?
Eu fui daqueles que achei não fazer sentido criticar as eventuais falhas das lutas que se desenrolavam na “Dama da Shangai” porque não me pareceram tão más para a época e porque isso não era o aspecto essencial do filme. Então e agora, os homínideos (como muito bem referiu o José) são o mais importante? Eu achei das cenas mais belas do filme principalmente quando se dá a tomada de consciência de um do grupo da possibilidade de utilização de um osso como arma de sobrevivência e de ataque.
E já que falamos de montagem o que dizer da cena em que se faz a passagem no ar do osso para uma nave espacial? Quando vi o filme pela 1ª vez foi das cenas que mais retive e ainda agora acho de uma beleza plástica bastante inovadora. Nesse movimento e nessa passagem para a cena do “bailado espacial” está condensada toda a evolução humana para algo muito sofisticado a partir de um “simples” digamos, instrumento de trabalho manuseado por um dos nossos antepassados. E não esqueçamos o tema musical utilizado – Assim Falava Zarathustra, de Richard Strauss – e o impacto que cria no espectador. Tudo cenas vulgares para a época? E mesmo actualmente?






Já agora - e isto sim é que era discutir o filme – a presença do monólito e o facto de aquele grupo ter tocado, investigado, observado, não terá contribuído para aquela evolução decisiva? Então talvez o monólito possa ter mais um sentido metafórico relacionado com as várias fases da evolução humana?
Era este o tipo de discussão interessante que apesar de tudo não conseguimos fazer duma forma totalmente satisfatória durante o debate da nossa sessão do clube. E aqui aparecem as vantagens do blogue.
Para finalizar que a noite já vai longa, como se pode comparar o orçamento d”O Mundo a Seus Pés” realizado em 1941 (ainda em plena 2ª guerra) com este filme de 1968? Realizado pois (utilizando um processo científico ainda muito eficaz: uma conta de subtrair) 27 anos depois.
Mais um “Golpe Baixo”?

11 comentários:

  1. Por acaso, Francisco, julgo que a discussão foi desde logo muito profícua, atendendo às diferentes sensibilidades e reacções intelectuais e afectivas ao filme. Perante um grupo em que algumas pessoas, que o tinham visto pela primeira vez, estavam ainda, extasiadas, a «digeri-lo», enquanto outras já lhe tinham «feito a folha», era quase impossível discutirmos os pormenores de uma história que, para muitos, está longe de ser o essencial. Penso, sobretudo, que alguns filmes particularmente difíceis e polémicos levam o seu tempo a tornar-se fascinantes para muitas pessoas. O facto de a discussão continuar no blogue, mostra-me que tudo isto ficou a trabalhar. Não fiquei nada frustrado com o debate. Vais ver que ainda haverá quem, daqui a alguns anos, volte a querer ver o filme com outra predisponibilidade...

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  2. E outra opinião (discutível): percebo que a tua comparação tenha querido retomar a que o Eça propunha, para a desmontares. Mas há que ser dito que os macacos de Planet of the Apes também são bestiais. São, é claro, diferentes dos macacos a que nos habituámos no Jardim Zoológico, porque sofreram uma evolução: têm rostos (focinhos?) em que se procura conseguir uma expressão quase-humana, mantendo-se, contudo, os tiques simiescos,o que é tecnicamente complicado quando se tem por base uma configuração facial tão rudimentar e pouco expressiva como a de um símio. Não vejo em nenhum destes filmes homens com gabardines - mas acrescento que a expressão é muito bem caçada e me fez rir bastante...

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  3. Será que o vídeo do Planet of the Apes com aquela música pimba terrível não é um "golpe baixo" (segundo a expressão do professor francisco) muito mais "baixo" do que aqueles que eu, supostamente, utilizei?

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  4. obrigado, professor Francisco, de qualquer maneira, por ter colocado um vídeo do planet of the apes. assim, todos podem ver os magníficos efeitos especiais. vou-lhe levar a colecção inteira para a TROCA, e depois diz-me o que achou.

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  5. Eça eu já vi o(s) filme(s). O que me levou a colocar este excerto (que aliás coloquei o 1º que encontrei sem reparar sequer na música) foi tentar demonstrar que referir as ditas "gabardinas" dos homínideos da "Odisseia" não fazem qualquer sentido por comparação com este filme. E nem sequer pretendo fazer qualquer comentário depreciativo do filme "Planet of the Apes" que já vi há algum tempo...

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. as gabardinas do planet of the apes são intencionais. o objectivo do filme é fazer transparecer nos macacos expressões e maneirismos tipicamente humanos. para além disso, eles vestem-se e agem como nós. ora, que eu saiba, na pré-história os hominídeos ainda não tinham chegado ao ponto racional de fazerem gabardinas para se protegerem da chuva. aliás, segundo kubrick, a única coisa que eles faziam era guinchar e atirar ossos ao ar que se transformavam em naves espaciais (efeitos de raccord mais que usados pelos cineastas ingleses - o david lean, por exemplo). e tenho dito!

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  8. E não vale a pena comparar-se o filme com o Welles (o professor já ia pegando outra vez no tema das lutas), que nunca teve nenhuma pretensão realista. Por outro lado, a sua obra é fortemente influenciada pelo expressionismo alemão dos tempos conturbados da república de weimar. e é preciso lembrar que o Welles começou no teatro, onde aliás conheceu grande parte dos seus amigos e futuros intérpretes dos seus filmes (Joseph Cotten, Agnes Moorehead, etcetera). por isso, as cenas de luta são exageradas e o welles, em cada um dos seus filmes, aparece com uma caracterização diferente. o próprio final da dama de xangai é completamente surrealista e tem um impacto dramático profundo. e como dizia o nosso amigo Luigi Pirandello (considerado por muitos o melhor dramaturgo de sempre), o ser humano só revela a sua verdadeira natureza quando usa uma máscara ou representa um papel. o que interessa é que o aspecto técnico é irrisório para orson welles (embora a dama de xangai consiga uma fotografia assombrosa, é verdade), enquanto que para o Kubrick significa tudo. ora, se o seu filme mais conhecido aparece com aqueles macacos com gabardina (parece que vêm do Singin' in the rain), então o filme fica quase arruinado. e voilá!

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  9. Olha Eça, quando eu tinha a tua idade e já gostava muito de cinema também costumava dialogar com uma pessoa mais velha (posso até divulgar que se tratava do meu cunhado) em discussões infinitas sem sentido... Na maioria dos casos eram como "braços de ferro" cujo fim não era um diálogo honesto para conseguir alguma verdade. Como eu ainda era muito jovem não conseguia compreender (faltava-me um pouco de maturidade) que do outro lado apenas havia o interesse em fazer extender a discussão sem atender aos argumentos invocados. Só pelo prazer de conseguir aborrecer a outra pessoa. Depois de muito aconselhado pelo meu Pai a pouco e pouco fui abandonando esse tipo de discusão estéril e fui deixando essa pessoa a falar sozinha... Continuo a manter a amizade que me liga a essa pessoa mas quando percebo que, no caso de haver diferenças de opinião, estou novamente a ser conduzido para discussões em que a outra já nem ouve os meus argumentos, páro. Como a ideia de discutir ideias que está subjacente a este Clube de Cinema (e este blogue) é bastante mais positiva eu continuo a pensar que se devem discutir os gostos duma forma honesta. E por isso relativamente ao assunto "2001: Odisseia no Espaço" eu vou PARAR de dialogar contigo.

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