terça-feira, 26 de maio de 2009

QUEM TEM MEDO DE UM FILME QUE FAZ DOER?

1. O teatro e o cinema são exercícios artísticos totalmente diferentes.
As possibilidades, no cinema, de mudança de ângulo e de plano, ou de vertiginosas transições de cena, que transportam o espectador para autênticas viagens no espaço ou no tempo, não existem, é claro, em teatro. O que não torna, este, uma arte menor ou menos rica do que aquele: o teatro usa outros recursos que intensifiquem por exemplo a história, o espaço cénico, a representação dos actores.
Em todo o caso, essa diferença de meios e forma justifica a minha opinião de que a maioria das peças teatrais nunca deveria ser transplantada para o cinema.

2. Ora no filme que vou referir, teríamos, à primeira vista, todos os ingredientes reunidos para um desastre. Para começar, porque se trata precisamente da transplantação de um célebre argumento, da autoria de Edward Albee, do teatro para o cinema. Em segundo lugar, porque não há senão quatro personagens: por um lado, um casal com uma relação aparentemente tranquila, mas que mascara, sob esta, uma amarguradíssima zona de feridas, ressentimentos e conflitos nunca resolvidos; por outro lado, um casal visitante, mais jovem, carregado de esperanças e sonhos ainda não contaminados por quaisquer traumas perante a realidade, e que irá - sem querer, sem se aperceber de como tudo sucede - desencadear o descontrolo dramático da situação e das relações. Como se não bastasse, toda esta tremenda experiência de revelações de segredos que condicionam aquelas pessoas, embebidas em sofrimento, é filmada, por Mike Nichols, a preto e branco, o que poderia funcionar, a fazer fé na confissão do Afonso, como um acrescido factor de distanciamento para o espectador...

3. E, no entanto, o que acontece é precisamente o contrário: Elizabeth Taylor e Richard Burton ganham, em Quem tem Medo de Virgínia Woolf?, papéis à sua medida: se não OS papéis da sua vida, certamente algo muito próximo dos mais intensos e complexos, nesta recriação de caracteres que vivem, ou melhor, sofrem a sua relação como um trágico jogo de amor-ódio, simultaneamente sombrio e tempestuoso, marcado até ao fundo pelo alcoolismo e por um mútuo e não assumido desrespeito, que se serve do mais cortante e doloroso sarcasmo.
George Segal e Sandy Dennis, na minha mais do que discutível opinião, nunca mais encontrariam papéis tão magníficos, sendo que George Segal terá sido, depois, empregue numa data de filmes menores e séries sofríveis de televisão, e que, de Sandy Dennis, perdi completamente o rasto...

4 comentários:

  1. sinceramente, não vejo nenhum problema em adaptar peças de teatro ao cinema, por outro lado, à custa disso foram feitos filmes absolutamente maravilhosos.

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  2. Sem dúvida que aconteceu: aliás, se um filme tão extraordinário como este resulta de uma peça de teatro, é porque é possível fazê-lo, como diz, com esplêndidos resultados. Mas este é um caso excepcional; em geral, requer-se uma adaptação do argumento. E muito bem: traduz-se um argumento, digamos, de uma língua (o teatro) para outra (o cinema...); que nos limitemos a «filmar» teatro, só quase por acidente dará certo. Já deu algumas vezes, bem sei...!

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  3. O que eu esperava do seu faro cinematográfico, Eça, era que me dissesse o que aconteceu à jovem actriz - muito engraçada,aliás, orgulhosíssima do marido, embriagando-se quase sem dar por ela... Fez mais alguma coisa interessante, ou desapareceu?

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  4. Tudo pode ser adaptado a cinema. Umas vezes sai bem, outras não tão bem...Depende de quem o faz e como o faz :)

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